Homilia na celebração do Festa do Baptismo de Jesus 2022

Sé de Angra.

Se atendermos a uma antiga oração da hora das vésperas da solenidade da Epifania diz-se – recordamos neste dia três mistérios: hoje a estrela guiou os Magos ao presépio; hoje, nas bodas de Caná, a água foi mudada em vinho; hoje, no rio Jordão, Cristo quis ser baptizado para nos salvar.

O início da vida pública de Jesus é o seu baptismo por João, no rio Jordão. João pregava «um baptismo de penitência, em ordem à remissão dos pecados» (Lc 3, 3). Uma multidão de pecadores, publicanos e soldados, fariseus, saduceus e prostitutas vinham ter com ele, para que os baptizasse. «Então aparece Jesus». O Baptista hesita, Jesus insiste: e recebe o baptismo. É o último da fila. Deixa-se contar entre o número dos pecadores.

Então o Espírito Santo, sob a forma de pomba, desce sobre Jesus e uma voz do céu proclama: «Este é o meu Filho muito amado» (Mt 3,13-17). Tal foi a manifestação («epifania») de Jesus como Messias de Israel e Filho de Deus. Podemos perguntar, em que é que isto se traduz, em que prática? Responde-nos o profeta Isaías:

«Para que leve a justiça às nações. Não desfalecerá nem desistirá,
enquanto não estabelecer a justiça na terra, a doutrina que as ilhas longínquas esperam. Para abrir os olhos aos cegos, tirar do cárcere os prisioneiros e da prisão os que habitam nas trevas». (cf. (Is. 42, 1-4. 6-7)

Da parte de Jesus, o seu baptismo é a aceitação e a inauguração da sua missão de Servo sofredor. É já «o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo» (Jo 1, 29), e antecipa o «baptismo» da sua morte. Vem, desde já, para «cumprir toda a justiça» (Mt 3,15). Quer dizer que Se submete inteiramente à vontade do Pai e aceita por amor o baptismo da morte para a remissão dos nossos pecados.

A esta aceitação responde a voz do Pai, que põe toda a sua complacência, afeição e amor no Filho. O Espírito que Jesus possui em plenitude, vem «repousar» sobre Ele (Jo 1, 32-33) e Jesus será a fonte do mesmo Espírito para toda a humanidade.

No baptismo de Cristo, «abriram-se os céus» (Mt 3, 16) que o pecado de Adão tinha fechado, e as águas são santificadas pela descida de Jesus e do Espírito, prelúdio da nova criação.

A consagração messiânica de Jesus manifesta a sua missão divina. Quem o regista é Santo Ireneu de Lyon desta forma: «Aliás, é o que indica o seu próprio nome; porque no nome de Cristo está subentendido Aquele que ungiu. Aquele que foi ungido e a própria Unção com que foi ungido. Aquele que ungiu é o Pai, Aquele que foi ungido é o Filho, e foi-o no Espírito que é a Unção».

Pelo Baptismo, o cristão é sacramentalmente assimilado a Jesus que, no seu baptismo, antecipa a sua morte e ressurreição. Deve entrar neste mistério de humilde abatimento e de penitência, descer à água com Jesus, para de lá subir com Ele, renascer da água e do Espírito para se tornar, no Filho, filho-amado do Pai e «viver numa vida nova» (Rm 64)

São Gregório Nazianzeno exorta-nos a «sepultarmo-nos com Cristo pelo Baptismo, para com Ele ressuscitarmos; desçamos com Ele, para com Ele sermos elevados; tornemos a subir com Ele, para n’Ele sermos glorificados».

E Santo Hilário de Potier concluiu «tudo o que se passou com Cristo dá-nos a conhecer que, depois do banho de água, o Espírito Santo desce sobre nós do alto dos céus e, adotados pela voz do Pai, tornamo-nos filhos de Deus».

Terminamos hoje as festas e o ciclo de Natal que tanta alegria nos trouxe. Colocamo-nos diante do presépio e do Menino Jesus. Agora é tempo de desmontar tudo, deitar fora que secou e guardar o que é bom para o ano. Entretanto, diz o evangelho que o Menino ia crescendo em estatura, em sabedoria e em graça, diante de Deus, da sua família, dos seus amigos e vizinhos. Passou a adolescência e a juventude. Estamos hoje diante de um Jesus adulto, como nós.

Foi o tempo de tomar decisões, seguir uma vocação e começar uma missão e um estilo de vida. Tudo isto a partir do baptismo, que é uma decisão dele e uma manifestação da graça e da força de Deus.

Ora é o que se passa connosco. A maior parte de nós é adulta e baptizada. Quer dizer que a partir de hoje iremos desenvolvendo a decisão e graça do nosso baptismo, a nossa resposta de fé, escutando antes de mais, a voz do Pai, a Palavra do Filho sobretudo na Eucaristia dominical, tal como vai Jesus pelo caminho da sua terra curando os enfermos, consolando os atribulados, perdoando os pecadores, ressuscitando os mortos, ensinando os caminhos de Deus, proclamando a todos a boa notícia da libertação e da salvação.

Terminado o Natal, fica Jesus, o Profeta e o Mestre enviado por Deus para todo ano. É curioso que ao longo de mais cinco séculos que tem a nossa paróquia do centro de Angra dedicada a São Salvador, ora uma vez o Senhor é representado como Menino, tendo o globo na mão, ora outra vez como Mestre, e de novo com o mundo na mão, como é o caso dessa escola do século XVII que conhecemos como «mestres da Sé». Num caso e noutro, podemos parafrasear com as devidas distâncias o poema épico de Fernando Pessoa:

«Em seu trono entre o brilho das esferas /Com seu manto de noite e solidão/ Tem aos pés o mar novo e as mortas eras / O único imperador que tem, deveras /O globo mundo em sua mão».

Que bom seria que a partir de hoje e do dia da nossa morte, alguém pudesse gravar em estampa de papel ou em mármore: «Deus ungiu com a força do Espírito Santo esta pessoa que passou fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos» (Cf. Actos 10, 34-38).

Assim na nossa oração desta manhã de domingo rezamos no prefácio da grande obra que é o mistério da eucaristia: «Hoje, nas águas do rio Jordão, revelais o novo baptismo com sinais admiráveis. Pela vossa descida do céu, ensinais que vosso Verbo habita entre os seres humanos. E pelo Espírito Santo, aparecendo em forma de pomba, fazeis saber que o vosso servo, Jesus Cristo, foi ungido com o óleo da alegria e enviado para evangelizar os pobres».

Hélder Fonseca Mendes,

Administrador Diocesano de Angra

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