XIV Domingo do Tempo Comum

Sé, 3 de Julho de 2022


Depois de Jesus ter dito «quem quiser ser meu discípulo renuncie e
si mesmo e tome a sua cruz todos os dias e siga-me», hoje alarga não
só o número dos discípulos – para além dos 12 envia mais 72, – como
especifica as condições dessa missão. O número 72 não só é o
múltiplo dos 12, como faz uma alusão ao livro do Génesis quando diz
haver naquela época 72 nações em todo mundo. Tal como os doze
apóstolos representariam a totalidade de Israel nas suas 12 tribos, 72
discípulos representarão todas as nações então conhecidas. Assim
este envio prefigura a missão da Igreja de anunciar o Evangelho a
todos os povos.
«A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos. Pedi ao dono
da seara que mande trabalhadores para a sua seara». De facto, hoje a
seara cresceu de 72 para 195 países e os recursos humanos e
pastorais são escassos para uma missão tão nobre como exigente e
necessária. Ao enviar 72 discípulos, Jesus dá-lhes instruções
específicas que manifestam as características da missão. Vejamos os
verbos imperativos:
1º. Rogai, isto é, pedi ao dono da seara que mande trabalhadores
para a sua seara; 2º. – Ide: Eu vos envio como cordeiros para o meio
dos lobos; 3º. – Não leveis: o quê? «Bolsa nem alforge nem
sandálias, nem vos demoreis a saudar alguém pelo caminho». 4º-
Dizei: o quê? «Paz a esta casa. E se lá houver gente de paz, a vossa
paz repousará sobre eles». E ainda: «Está perto de vós o Reino de
Deus». 5º. Ficai. Onde? «Nessa casa», como lugar de apoio à cidade.
«Não andeis de casa em casa». 6º. Curai. Quem? «Os enfermos que
houver nessa cidade». Finalmente, se não vos receberem: 7º- Saí,
para onde? «Para a praça pública e despedi-vos».
Conclusões a tirar: a missão parte e baseia-se na oração; é itinerante,
não está parada; exige desapego e pobreza, traz paz e leva a cura, que
são sinais da proximidade do Reino de Deus. Aparece ainda a
possibilidade e a responsabilidade de rejeitar a mensagem de
salvação, mas sem que isso leve a maldições, condenações,
represálias ou destruições. Sabemos isso pela imagem de sacudir o
pó das sandálias e trazer a paz que o discípulo leva consigo e que não
foi acolhida, mas também não deve ser perdida por quem a leva.

Se o chamamento for acolhido e o discípulo cumprir a missão vai
sentir de certeza uma enorme alegria interior, mas também fica o
alerta para a reacção contrária, de recusa ou de indiferença. Mesmo
aí, o discípulo missionário deve voltar para casa com alegria. Como é
possível? Assim diz o evangelho que «os discípulos voltaram para
casa cheios de alegria». Pode ser ou não pelo sucesso da missão, mas
mesmo que não o seja, a alegria interior deve-se ao fato de «os
vossos nomes estarem escritos no céu».
Já Isaías havia profetizado: «Como a mãe que anima o seu filho,
também Eu vos confortarei: em Jerusalém sereis consolados.
Quando o virdes, alegrar-se-á o vosso coração e, como a verdura,
retomarão vigor os vossos membros».
Ouvir esta mensagem dá ânimo, sobretudo a quem um dia decidiu
levar a sério esta palavra, entregar a sua vida ao projecto do Reino de
Deus e seguir Jesus radicalmente. Assim, aconteceu, por exemplo
comigo, tinha então 23 anos. No dia 3 de Julho de 1988 celebrava
aqui, na alegria da ordenação sacerdotal, a primeira missa ou missa
nova de que alguns dos presentes ainda se recordarão. Passados hoje
34 anos foram tantas as ilusões como desilusões, foram tantas as
pessoas que aceiram a paz e a cura que Deus dá, através da mediação
da Igreja, pela força da Palavra Deus e pela eficácia dos sacramentos,
como aquelas que recusaram, desprezaram ou passaram
indiferentes. No primeiro caso, sempre que um discípulo
missionário comunica a paz e a graça de Deus sente com o outro
uma enorme alegria; quando isso não acontece, deve sacudir o pó
dos pés e voltar a casa «cheio de alegria por saber que o seu nome
escrito no Céu», isto é, no coração de Deus.
Ora, isto não se dá nem nos obriga só por via da ordenação
sacerdotal, mas sobretudo por via do baptismo, da confirmação, da
consagração, do matrimónio, do perdão de Deus, da santa unção e
da sagrada comunhão. Devemo-nos alegrar pela beleza da missão
em si, pelo agente dessa missão e sobretudo pelo efeito que ela tem a
quem se destina. Se não houver sucesso ou resultado imediato, a paz
e a alegria não se perdem, pois o nome pessoal de cada um está
escrito no céu. Assim se queira cada um de nós inscrever ou
reinscrever. É a alegria deste dom que faz de cada discípulo um

missionário para levar ao mundo a paz e o bem, alguém que
caminha em companhia do Senhor Jesus, que d’Ele aprende a
dedicar-se sem reservas aos outros, livre de si mesmo e dos próprios
bens.
Irmãs e irmãos na fé em Nosso Senhor Jesus Cristo, mulheres e
homens de boa vontade que nos seguem de fora destas paredes: o
mundo está sedento de Deus, de paz, de misericórdia, de justiça e de
verdade. Há tanta gente vazia, perdida e desorientada «como
ovelhas sem pastor».
Ouçamos o convite de Jesus e decidamo-nos a segui-Lo e a
acompanhá-Lo nesta missão de comunicar a paz e a graça aos nossos
coetâneos. Podemos faze-lo em nome pessoal, de grupo, em
associações ou movimentos, em Igreja. Sozinhos, seremos poucos.
Por isso o Senhor envia-nos dois a dois, como cordeiros para o meio
de lobos. É forte a possibilidade de não sermos bem recebidos, mas a
nossa motivação não é o sucesso imediato. A nossa alegria não é de
circunstância, tem outra razão e outro fundamento, de olhos postos
no Céu e pés assentes na terra.
Assim cada ano, somos chamados a participar na missão que o
evangelho nos confia, concretizada em acções pastorais nos grupos,
movimentos, conselhos, paróquias, diocese, missões, etc. Como
agora entramos num período de férias, damos por concluída a visita
dos símbolos das Jornadas Mundiais da Juventude aos Açores;
damos por encerrado o ano pastoral 2021-2022, bem como a
caminhada sinodal dos últimos três anos, a propósito da «Beleza da
caminharmos juntos em Cristo», e ainda a fase diocesana de
preparação do sínodo dos bispos de 2023.
Destes acontecimentos colegiais daremos nota à diocese e ao seu
próximo bispo, através da publicação dos contributos dos últimos
três anos, onde constará a nossa memória e o nosso presente,
sonhos, desafios, necessidades e propostas para o futuro da Igreja e
da Humanidade, sedentas de Deus e da sua graça.
Como aprendi esta semana na marinha, desejo a todos «um mar
chão e ventos de feição», caso não tal não aconteça, temos sempre a
missão por cumprir, na certeza de que não vamos sozinhos.

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