«Senhor, quem entrará no santuário para Te louvar? Quem tem as
mãos limpas e o coração puro. Quem não é vaidoso e sabe amar»,
cantamos tantas vezes ao entrar aqui. Passados 60 anos estamos a
beneficiar e a receber a graça de Deus e a dar-lhe o nosso louvor.
Não será impossível à nossa condição humana conhecer o mistério a
que chamamos Deus? Um buscador do «Caminho, da Verdade e da
Vida», chamado Filipe, pediu a Jesus: «Senhor, mostra-nos o Pai e
isso nos basta», a que Jesus responde: «Se Me conhecêsseis,
conheceríeis também o meu Pai. Mas desde agora já o conheceis e já
O vistes». Conhecer a Palavra de Deus é conhecer Jesus e conhecer
Jesus é conhecer o Pai. Daí a ajuda de nos focarmos na mediação da
imagem do Senhor Bom Jesus para, através dela, conhecermos e
convivermos com o verdadeiro Deus e o verdadeiro Homem.
Segundo Paulo, «Cristo Jesus assumindo a condição de servo,
tornou-Se semelhante aos homens, humilhou-se, obedecendo até à
morte e morte de cruz. Foi por isso que Deus O exaltou e Lhe deu um
nome que está acima de todos os nomes para que ao nome de Jesus
todos se ajoelhem e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o
Senhor para glória de Deus Pai» (Filip. 2, 6-11). Segundo Pedro,
Cristo veio a tornar-se a pedra angular, «e em nenhum outro há
salvação, pois não existe debaixo do céu outro nome, dado aos
homens, pelo qual possamos ser salvos» (At,4, -12).
Desde as descobertas e povoamento destas ilhas estamos ligados à
Ordem de Cristo; a ilha Terceira foi encontrada no dia da festa do
santo nome de Jesus; a nossa igreja Catedral é dedicada ao Salvador,
que não só deu um Salvador à Baia no Brasil, como difundiu a sua
Santa Cruz nas Ribeiras do Pico e nas cidades, vilas e freguesias dos
Açores, como Senhor Santo Cristo e Senhor Bom Jesus. É sempre o
doce nome de Jesus que invocamos como o único salvador.
Do Norte de Portugal continental recebemos esta figuração
iconográfica de Jesus no quadro da sua paixão, como o Ecce Homo
ou Senhor da Cana Verde. No Estado de São Paulo no Brasil esta
representação passa a chamar-se de Senhor Bom Jesus e é aí que
Francisco Ferreira Goulart, filho e emigrante de São Mateus do Pico

se cruza com ela. Ao regressar à sua terra trás consigo o melhor que
tinha, a imagem do Bom Jesus primeira para a casa dele e depois
para esta casa comum.
«Enquanto memória da nossa origem, o santuário recorda a
iniciativa de Deus e faz com que o peregrino a acolha com o sentido
da admiração, da gratidão e do empenho. Enquanto lugar da
Presença divina, ele testemunha a fidelidade de Deus e a Sua acção
incessante no meio do Seu povo. Enquanto profecia, ou seja, reenvio
à Pátria celeste, recorda que nem tudo foi realizado, mas ainda deve
realizar-se em plenitude segundo a promessa de Deus, para o Qual
estamos a caminho; precisamente mostrando a relatividade de tudo
aquilo que é penúltimo em relação à última Pátria, o santuário faz
descobrir Cristo como Templo novo da humanidade reconciliada
com Deus».
Quando esta igreja passa a santuário, assinalava-se então um século
sobre o culto, a que o Papa João XXIII se associa enriquecendo «a
imagem do Bom Jesus Milagroso de copiosas indulgências». De
facto, o ano de 1862 fica na história deste povo e da nossa igreja
diocesana, seja na ilha do Pico com a chegada da imagem do Senhor
Bom Jesus, seja na ilha Terceira com a criação do Seminário
Episcopal de Angra. As duas entidades são do mesmo ano e não
podem existir uma sem a outra: O Bom Jesus é a razão de haver
bons pastores e o coração de onde eles nascem; o Seminário é o
lugar onde os pastores se formam e crescem. Que esta ligação
embrionária nunca se perca e continue a crescer nos jovens de hoje.
Há um ato formal de elevação da igreja paroquial de São Mateus do
Pico à categoria de Santuário, assinado a 1 de Julho de 1962, por
Dom Manuel Afonso de Carvalho, que não é mais do que um
reconhecimento de uma realidade existente, que primeiro se impõe,
isto é, de que «o coração do homem eleva-se para o Alto e vai
procurar a verdadeira fonte, donde brotam as águas cristalinas da
vida eterna – o Coração de Jesus. Assim procederam os habitantes
do Pico, e a eles se tem associado todos os Açorianos: nas tribulações
da vida invocam o Bom Jesus Milagroso com fé e amor e,
imediatamente, a graça do alto se derrama em seus corações»,
escreveu o Bispo de Angra no decreto de erecção deste Santuário.

Naturalmente que se deve aos paroquianos e ao pároco de São
Mateus do Pico à época, a proposta de elevação deste lugar a
Santuário, o segundo nos Açores, sendo nomeado o seu primeiro
reitor, o Padre Joaquim Vieira da Rosa, seguindo-se no oficio o
Padre António Filipe Madruga, o Padre José Carlos Simplício e
actualmente o Padre Marco Paulo Martinho, actual reitor, a quem
saudamos e felicitamos por esta data jubilar e por o que ela significa
na nossa história no último século.
Neste dia 1 de Julho cumpre-se também 60 anos da criação da Obra
Portuguesa das Migrações, que entre nós, através do Secretariado
Diocesano das Migrações, teve um papel importantíssimo no apoio
aos açorianos que emigravam então em grande número na década de
60 e 70 do século passado, no apoio às comunidades dos Estados
Unidos da América e do Canadá, enquanto se vivia as consequências
da infeliz guerra do ultramar português que tanto sofrimento, fome,
pobreza e morte trouxeram às nossas populações e ainda o
movimento de retornados de Angola e de outros países, dos
imigrados e dos quiseram ou foram obrigados a regressar.
Estes 60 anos do santuário do Senhor Bom Jesus cruzam-se com
estes fenómenos migratórios que tocam todo o globo. Por um lado
dão-lhe universalidade, e por outro, deixam marcas que ainda se
contam em primeira pessoa. Tantos foram os leigos, consagrados,
padres e bispos, que nas fontes do Senhor Bom Jesus beberam a sua
fé e viveram as alegrias e tristezas, lutas e esperanças próprias desses
tempos na Europa, na América, na África e na Ásia. Como não
invocar o Senhor Dom José da Costa Nunes que, precisamente nesse
ano de 1962, é tornado o primeiro cardeal açoriano e o Senhor Dom
Arquiminio Rodrigues da Costa, filho desta terra e Bispo de Macau,
bem como os directores do Secretariado Diocesano das Migrações,
nesses laboriosos anos, os padres picoenses José Maria das Neves e
Manuel Faria da Costa e Silva.
O ano de 1962, ano da criação deste Santuário fica ainda marcado
pela bênção da primeira pedra para a edificação do Seminário
Colégio de Santo Cristo na ilha de São Miguel, bem como pela
aprovação do primeiro Regulamento dos Romeiros daquela Ilha,
instrumento ainda hoje tão útil e necessário. Ainda nesse ano, a

centralidade do nome de Jesus dá-se com a criação de uma nova
paróquia dedicada ao Senhor Santo Cristo na ilha das Flores.
O ano de 1962 fica na história dos Açores pelo facto do Santo Padre,
o Papa João XXIII, ter proclamado solenemente o Beato João
Baptista Machado padroeiro principal da Diocese de Angra e ter
convocado nesse ano o concílio Vaticano II, o maior e mais decisivo
acontecimento da Igreja nos últimos 60 anos, fazendo com que pela
primeira e única vez a Diocese de Angra tivesse um padre conciliar.
Esta participação entre 1962 e 1965 coube ao bispo que criou este
santuário, D. Manuel Afonso de Carvalho, juntamente com mais seis
bispos açorianos a saber: D. José da Costa Nunes, Cardeal da Cúria
Romana, D. Paulo José Tavares, Bispo de Macau, D. Manuel de
Medeiros Guerreiro, Bispo de Nampula em Moçambique, D. José
Vieira Alvernaz, Arcebispo de Goa e Patriarca das Índias Orientais,
D. Jaime Garcia Goulart, Bispo de Dili em Timor e D. José Pedro da
Silva, que foi Bispo de Viseu. Terão sido poucas as dioceses no
mundo que deram sete padres a um concílio desta dimensão.
Com esta celebração diocesana damos por concluída a visita aos
Açores dos símbolos das Jornadas Mundiais da Juventude,
felicitando os jovens e a equipa diocesana da pastoral juvenil pelo
empenho demonstrado ao longo do último mês em todas as
ouvidorias e ilhas da nossa diocese. Damos por encerrado o ano
pastoral 2021-2022, bem como a caminhada sinodal dos últimos três
anos, a propósito da «Beleza da caminharmos juntos em Cristo», e
ainda a fase diocesana de preparação do sínodo dos bispos de 2023.
Deixo também uma palavra de reconhecimento aos membros da
Comissão Coordenadora da Caminhada Sinodal pelo trabalho de
preparação, acompanhamento e síntese que desempenharam com
dedicação e competência. Destes acontecimentos colegiais daremos
nota à diocese e ao seu próximo bispo, através da publicação dos
contributos dos últimos três anos, onde consta a nossa memória e o
nosso presente, sonhos, desafios, necessidades e propostas para o
futuro da Igreja e da Humanidade, sedentas de Deus e da sua graça.
«Senhor Bom Jesus, eu quero entrar no santuário para Te louvar.
Dá-me mãos limpas e um coração puro, arranca a vaidade, ensina-
me a amar».

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