III Domingo da Quaresma. Reabertura da Igreja do Colégio dos Jesuítas em Angra.

Sé, 20 de março de 2022

O evangelho deste domingo fala-nos da misericórdia de Deus e da
conversão. Tal apelo é parte essencial do anúncio do Reino,
conforme a pregação do próprio Senhor Jesus: «O tempo chegou ao
seu termo, o Reino de Deus está próximo: convertei-vos e acreditai
na boa-nova» (Mc 1, 15).
Na parábola aparece um homem que plantou uma figueira na sua
vinha; no verão vai recolher figos e não os encontra, por a árvore ser
estéril. Deixa passar três anos e o resultado é o mesmo. Então pensa
cortar a figueira para aproveitar o terreno. Entretanto o vinhateiro
que estava a trabalhar pede ao dono que deixe passar mais um ano,
que ele próprio fará tudo para melhorar a produtividade.
Podemos identificar o dono como Deus Pai, o vinhateiro como
imagem de Jesus e a figueira com cada um de nós, como símbolo de
de uma existência estéril, incapaz de doar e de praticar o bem. A
figueira estéril é símbolo de quem vive para si mesmo, incapaz de
dirigir o coração e o olhar a quem vive em condições de sofrimento,
pobreza e dificuldade ao seu lado.
Os três anos parecem uma alusão ao tempo da vida pública e da
missão de Jesus. Aliás, é o vinhateiro que pede ao senhorio mais um
ano de paciência e de trabalho para a reconversão daquela figueira.
Por contraste, podemo-nos rever naquela árvore, e na prorrogação
do prazo, a misericórdia e a paciência de Deus.
Temos um vinhateiro que é imagem da misericórdia de Deus que
nos concede um tempo, mais um ano, mais uma quaresma para a
nossa conversão. Tanta cultura que é necessária reconverter nas
nossas ilhas e achamos isso não só razoável como necessário para a
produtividade privada e para bem comum. À necessidade que temos
de nos converter, à liberdade e ao esforço pessoal que pomos em tal
obra, acompanha-nos a paciência, a misericórdia e a graça de Deus.
Note-se também que a possibilidade da conversão é urgente, não é
ilimitada, tem prazos, tem um tempo: «Senhor, deixa-me ficar ainda
este ano», ouvíamos o pedido na parábola. A colheita de cada ano

não passa para o ano seguinte. Devemos perguntar em primeira
pessoa o que é que eu preciso cortar, podar, limpar, queimar este
ano para que na Páscoa, na primavera e no verão dê fruto.
O evangelho ensina-nos assim que devemos confiar na misericórdia
de Deus, sem abusar dela, pois sabemos que estamos a passar por
esta quaresma, mas não sabermos se ela volta a passar por nós. Há
oportunidades que não podemos perder. Caso contrário,
justificamos a preguiça e a esterilidade espiritual em vez de
aumentar o nosso esforço para corresponder prontamente à
misericórdia de Deus com sinceridade do coração.
O apelo de Cristo à conversão continua a fazer-se ouvir.
Esta segunda conversão, sendo a primeira a que nos leva ao
Baptismo,  é uma tarefa ininterrupta para toda a Igreja, que
«contém pecadores no seu seio» e que é, «ao mesmo tempo, santa e
necessitada de purificação, prosseguindo constantemente no seu
esforço de penitência e de renovação». Santo Ambrósio diz, a
respeito das duas conversões que, na Igreja, «existem a água e as
lágrimas: a água do Baptismo e as lágrimas da Penitência».
No entanto, a vida nova recebida na iniciação cristã não suprimiu a
fragilidade e a fraqueza da natureza humana, nem a inclinação para
o pecado, que persiste nos baptizados, a fim de que prestem as suas
provas no combate da vida cristã, ajudados pela graça de Cristo. Este
combate é o da conversão,  em vista da santidade e da vida eterna, a
que o Senhor não se cansa de nos chamar (cf. CIC 1426).
Ora esta obra não se pode realizar sozinho. Começa por dentro, mas
também precisa dos outros, de uma família, de uma comunidade e
sobretudo de Deus. O lugar ou espaço onde tudo isto acontece é na
Igreja enquanto corpo místico de Cristo, mas também enquanto
lugar de relações e de comunhão, a chamamos de igrejas.
As igrejas são elementos primordiais na Companhia de Jesus.
Deviam adaptar-se às funções de uma igreja reformada, em que o
Santíssimo Sacramento está no centro da devoção e o culto à Virgem
Maria sobressai com a designação Nª. Sª. da Pureza, da Conceição,
da Consolação, da Dormição ou da Boa Morte e recentemente de
Fátima. Destaque para a pregação, a catequese e o ensino como

instrumentos muito caros aos jesuítas. Para que tudo resultasse, a
arquitectura estava ao serviço da missão, ligando-se a igreja não só
internamente ao Colégio como externamente à cidade.
Na comunhão dos santos que nos rodeiam, aqui e além, como
poderemos esquecer S. Francisco Xavier, Santa Teresa de Ávila, São
Domingos de Gusmão e o Beato João Baptista Machado, padroeiro
da Diocese de Angra, que nesta igreja, encontrou o início do culto
público em 1876, nove anos depois da sua beatificação?
As esculturas e pinturas têm a função de auxiliar a fé, a catequese e a
piedade para além de glorificar Cristo, a Virgem Maria e os santos, e
por isso mesmo devem ser apreciadas na sua função primeira, e
depois no seu valor e qualidade artístico, patrimonial e histórico.
Este domingo evoca o dia 17 de Julho de 1651 quando os jesuítas
transladaram o Santíssimo Sacramento da pequena capela que
usavam no colégio propriamente dito para esta igreja quando era
dada por concluída a sua edificação. Curiosamente, a diocese de
Angra estava em sede vacante, ainda no rescaldo da Restauração.
Consta que o reitor, o P. Pedro Barroso era um homem feliz nesse
dia e assim foram os seus companheiros até à sua expulsão em 1760.
Valeu à igreja do Colégio, em 1804, a Ordem Terceira de Nª. Sª. do
Carmo ter-se mudado da igreja da Misericórdia, sita ao Pátio da
Alfandega, para aqui acolher a imagem de Nª. Sª. do Carmo, bem
com em 1830, a Irmandade de Santa Cruz e Passos, devido à
extinção do Convento da Graça, sito ao Alto das Covas, para aqui
receber a imagem de Nosso Senhor dos Passos. E cá estão!
A pergunta que se levanta agora, não é tanto de quem é esta igreja,
mas para quem é hoje esta igreja? As imagens por si só não chegam
para lhe dar vida, mas sim Aquele que a habita, Cristo ressuscitado e
os baptizados que a incorporam, seja numa Ordem Secular,
Irmandade, Associação de Fiéis, Comunidade de Vida Consagrada
ou outra. Tal como desde o princípio, esta igreja foi construída para
a Companhia de Jesus, seja também hoje Jesus a nossa companhia,
e nela façamos comunidade uns com outros e para os outros, no
serviço da palavra, da oração, da santificação e da caridade, na
fidelidade aos seus fundadores e na alegria aos nossos concidadãos.

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