VII Domingo do Tempo Comum

Sé, 20 de Fevereiro de 2022


O evangelho deste domingo, por um lado, é tão claro que não deixa dúvidas na sua interpretação, por outro, apetece-se-nos afirmar como disseram a Jesus «as tuas palavras são muito duras, quem poderá suportá-las». Parece que não são dirigidas a pessoas no seu perfeito juízo, adultos, prezados, convencidos, superiores, a pessoas discretas, no sentido que a expressão tem entre nós.


Para fazer o discernimento destas afirmações, devemos ter em conta alguns critérios: 1- o sermão da planície é dirigido aos apóstolos, a numerosos discípulos e a uma grande multidão, ouvíamos na semana passado, e hoje, à continuação, diz Lucas: «digo-vos a vós que me escutais». Quer dizer que estas palavras não são para toda a gente, ou, melhor nem toda a gente as quer aceitar e por isso não estará aqui; são para os discípulos para aqueles que querem escutar o Mestre e Senhor – este é o primeiro critério da aceitação de palavras tão inusitadas e estranhas ao modo de pensar e reagir que entendemos por normal.


O 2º. critério que temos é a pessoa de Jesus e a revelação que Ele faz de Deus, do Pai. Ora vejamos, Jesus de Nazaré, o bem-aventurado, fez bem aos que O odiaram, abençoou os que O amaldiçoavam, rezou por aqueles que O injuriavam. Ele é misericordioso, não julgou, não condenou e perdoou. No seu processo de condenação perguntou «se falei mal, diz-me em quê, mas se falei bem, porque me bates». Na derradeira hora, rezou assim «Pai, perdoa-lhes porque não sabem os que fazem».


O 3º. critério somos nos próprios, uma vez que sabemos hoje pelas ciências que estudam o comportamento humano que o ódio, o ressentimento, a vingança, a inveja, etc., não fazem mal apenas a quem se dirige, mas sobretudo ao coração de onde brota e de quem guarda essas atitudes.


Por isso cantamos na resposta à Palavra de Deus, que se chama o salmo responsarial, que Deus «é clemente e cheio de compaixão, perdoa os pecados, cura as enfermidades, salva da morte, coroa de graça e misericórdia, é paciente e cheio de bondade, como um pai se compadece dos seus filhos». E este é o 4º. critério para aceitarmos o evangelho deste
dia. É que Deus é assim. E portanto nós, pela sua graça tendemos a ser como Ele. E portanto amar os inimigos, fazer bem aos que nos odeiam e abençoar os que nos amaldiçoam, não é natural, nem carnal, nem acontece pela via afectiva. Não se trata que querermos dar beijos e abraços em tais pessoas. Mas há uma via concreta e efectiva que assenta em três pilares do amor para com os inimigos que são fazer o bem, abençoar e rezar.


Há uma outra passagem onde Jesus diz que o mensageiro deve levar o evangelho a todas as casas, e se numa casa o receberem ele comunica a paz, mas se noutra não o aceitarem, contestarem, maltratarem, ele sacode o pó das sandálias do pés e volta para casa com a paz que levava dentro de si. Ora, no trato com os adversários, assim devemos proceder, pois quando rezamos pelos inimigos, colocamo-nos diante de Deus e do seu amor e esse ódio começa a descongelar, não é compatível; como Deus só abençoa e dá a bênção, diante de Deus não podemos amaldiçoar ninguém, nem praguejar, nem desejar o mal; e porque Jesus passou por este mundo fazendo o bem para como todos, tal como o sol e a chuva quando aparecem, assim o cristão quando faz o bem é para todos, por ser sempre bem, independentemente a quem se destina, e pelo fato do destinatário antes de ser inimigo ser uma pessoa, um semelhante, um filho de Deus, de um pai e de uma mãe, que quer ser salvo e não perdido.


Assim como o amor de mãe é o que vê o melhor de cada filho, assim deve ser o nosso olhar. Jesus pergunta o que custa amar o que nos amam? Fazer bem aos que nos fazem bem, convidar os que nos podem convidar e onde há interesses? Isso é próprio da carne e do sangue, da natureza humana, não é preciso religião, nem fé, para assim proceder. Nós já estamos um pouco mais à frente. Como lidar com o diferente, com o adversário ou até com o inimigo. Como lidar com aquele que tem uma religião diferente da minha, um partido político, uma equipa de futebol,
um país, ideias e opções diferentes?

Desde o nascimento de Jesus, apresentado como sinal de contradição, impõe-se que as pessoas que façam uma opção por Ele vão encontrar inimizades, resistências, dificuldades e até perseguições. Posto isto, Jesus ensina como reagir. Pois mesmo que a relação com os nossos inimigos não seja da ordem dos afectos, essa relação sem querermos afecta-nos sempre, e por isso temos de agir ou reagir. Como? É isso que o evangelho ensina: «sede misericordiosos, não julgueis, não condeneis, perdoai, dai». Portando, por um lado, é impossível que o evangelho não incomode, não crie inimizades e até perseguições. A história da Igreja está cheia de homens e mulheres que ao longo dos séculos experimentaram na sua própria pele este custo a que chamamos de «martiria», ou seja, o testemunho de quem dá a vida.


Por outro lado, a própria realidade evangélica impede a Igreja de fazer inimigos, de estabelecer um regime de inimizade com as pessoas não crentes, de outras tradições religiosas, ou sem religião. Este ensinamento evangélico não deve ser visto como uma instrução jurídica para ser observada ponto por ponto, mas como uma Palavra de vida, de espírito, de sabedoria. O espelho para o qual devemos olhar é a pessoa de Cristo, «o tal homem celeste», de quem fala a 2ª. Leitura, por relação a Adão «o homem terreno».


Em vez de inimigos, preferimos ver a alteridade como uma ocasião de comunhão e não de inimizade. Este é o desafio que o Pai, o Filho e o Espírito Santo, a Trindade santa nos faz, e que nos ensina a tirar as consequências de que é na alteridade que se vive a comunhão e não na inimizade.


A Eucaristia é o resumo vivo dos diversos aspectos que a Palavra de Deus nos deixa, uma escola de caridade fraterna. Escutamos e rezamos a Palavra todos juntos, rezaremos antes da comunhão «perdoai os nossos pecados, como nós perdoamos a quem nos tem ofendido», e interiormente daremos a paz a quem está ao nosso lado, sabendo que o amor é mais forte que o ódio e do que a morte. Partimos um só Pão para todos os filhos, pois quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia».

Hélder, Administrador Diocesano de Angra

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