Estimados diocesanos,
Olhando para o presépio vejo Deus na pequenez de uma criança deitada numa humilde manjedoura: eis o grande assombro do Natal. Enquanto o homem quer subir, comandar, acumular bens, Deus deseja descer, servir e dar. Ele traz uma nova ordem às coisas e ao coração. “Cada menino quer ser homem. Cada homem quer ser rei e cada rei quer ser ‘deus’. Só Deus quer ser criança” (L. Boff).
No Natal não celebramos uma recordação, mas uma profecia. Naquela noite o sentido das coisas tomou uma nova direção: a história recomeça a partir das margens da pequenez, onde está todo o sofrimento humano, mas também todos os seus sonhos.
2. Neste Natal, falo-vos do Estabelecimento Prisional de Angra, um lugar, uma grande casa ou talvez manjedoura que simboliza, para muitos o silêncio, o castigo, a dor, mas também arrependimento. Este lugar diz-nos que as nossas escolhas têm consequências. Mas é também um lugar onde, se permitirmos, Deus desce até cá abaixo para encontrar e tocar a todos com o seu amor sem limites, ajudando a vencer o desespero e a recomeçar.
Relata a história que Winston Churchill, terminada a II Guerra Mundial, regressou à sua escola de Harrow, onde fez um breve discurso resumido em quatro palavras: “never, never, never give up” (nunca, nunca, nunca desistam).
Entoa, não desistam! Nunca desistam! Ninguém se entregue ao desânimo. Mesmo quando tudo parece estar a desabar. Para além de cada história e de cada erro ou fracasso, a vida é sempre um dom, merece ser vivida com dignidade e celebrada mesmo se privados de liberdade. Cada noite dá lugar ao dia, como a cada noite da vida se segue invariavelmente um dia novo, uma luz de esperança que nos fará melhores.
3. Olhemos para Belém: Ali, Maria «deu à luz o seu filho primogénito, envolveu-o em panos e recostou-o numa manjedoura» (Lc 2, 7). Foi a manjedoura dos animais que Maria, na sua necessidade, viu como um berço. E foi o suficiente. Jesus nasceu cercado por dificuldades, pobreza e rejeição. Assim como em Belém, Ele continua a nascer nos lugares menos esperados: em corações feridos pelo ódio ou exclusão, em situações de guerra, de doença, de sofrimento, e, sim, também atrás de grades.
«Na mesma região encontravam-se uns pastores». Eles já lá estavam. Como que à espera da alguma coisa, vigiando cada ruído na noite, cheios de esperança por algo grande. Bonita notícia para os pobres, os últimos, os anónimos, os esquecidos, os sem liberdade. Deus recomeçou a história há 2024 anos, a partir deles, com uma alegre notícia: não temais! Deus nunca deve meter medo, caso contrário não é Ele que bate à tua vida, à tua cabana. Deus entra no mundo a partir do ponto mais baixo para que nenhuma criatura seja excluída do seu abraço que cura. «Deus fez-se homem para aprender a chorar» por nós e connosco (D. M. Turoldo). Deus sabe o nosso nome, porque somos filhos muito amados. Nunca desiste de nós” Dizia São Paulo: “Onde abundou o pecado, superabundou a graça.” (Romanos 5,20)
4. Entrámos ontem no Jubileu da Esperança. O Papa abriu a primeira Porta Santa, na Basílica de São Pedro e amanhã abrirá, pela primeira vez nos 724 anos da história dos jubileus da Igreja, uma porta Santa numa cadeia, a prisão romana de Rebibbia.
Daqui a quatro dias iniciaremos também o Jubileu na nossa diocese, como acontecerá em todas as dioceses do mundo. Este é um convite para todos nós, para olhar além dos nossos erros, além das nossas falhas, e de agarrar a oportunidade de recomeçar. A esperança do Natal diz-nos que valemos não pelo que fomos, mas pelo que somos e sonhamos ser. Gostaria de poder abraçar cada um e cada uma dos que estão privados da sua liberdade, aqui neste estabelecimento prisional e em todos os outros, abraçar os seus responsáveis, os guardas prisionais e pessoa de serviço e dizer-lhes: a humanidade de Jesus diz-nos que é possível humanizar todos os ambientes, servir toda e qualquer vida.
5. O Deus Menino nasceu! Ele é a esperança que não desilude. Dirijo os meus mais sinceros votos de paz, alegria e esperança a cada mulher e a cada homem, especialmente àqueles que se sentem prostrados pela sua condição existencial.
O Natal é o maior ato de fé de Deus na humanidade: confiou o Seu filho a uma rapariga inexperiente para que cuide dele, o alimente de leite, de carícias e de sonhos. Do mesmo modo Deus virá à terra apenas se nós cuidarmos dele em cada dia, como uma mãe.
Termino rezando-lhe:
Meu Deus menino, pobre como o amor, pequeno como uma criança, humilde como a palha em que repousas,
meu pequeno Deus que aprendes a viver esta nossa vida terrena,
meu pequeno Deus, incapaz de agredir e de fazer mal,
ensina-me que não há outro sentido para nós, não há outro destino que tornarmo-nos como Tu.
Um Santo e Feliz Natal com todos, todos, todos: Vamos jutos encarar 2025 caminhando juntos na Esperança para alcançarmos um futuro de paz, um futuro de amor e liberdade. O Céu já se abriu, o Salvador desceu e os sonhos tornaram-se possíveis porque a Deus nada é impossível. Boas Festas.
+Armando Esteves, bispo de Angra
Angra, Natal de 2025