V Domingo de Quaresma

Dirijo a palavra em primeiro lugar aos fiéis que estão presentes aqui na Sé,
em Angra, sobretudo aos irmãos mais frágeis, quer pela doença, quer pela
idade, que recebem hoje o sacramento da santa unção, bem como aos
doentes que nos seguem nas suas casas, seja através da VITEC, da RDP –
Antena 1 ou da RCA. Permitam-se uma palavra de reconhecimento e
parabéns a esta estação de rádio, que hoje completa 75 anos, no meio de
muitas dificuldades e resiliência, mas também de alegrias e prosperidades.
Estamos agradecidos por transmitirem desde a sua fundação a Eucaristia.
A marca principal das leituras deste quinto domingo da quaresma é o
nosso futuro pessoal e colectivo. O presente faz-se escuro com a
pandemia do mundo, a guerra na Europa, a crise sismo – vulcânica em S.
Jorge. São situações em que vemos o futuro comprometido. Mesmo assim
a Palavra de Deus diz-nos para não ficarmos fixados no passado. É certo
que somos pecadores, mas no encontro com Jesus Cristo, tempos futuro.
O Papa Francisco diz que «um santo tem passado, um pecador tem o
futuro». Assim É a primeira leitura do profeta Isaías: «Não vos lembreis
mais dos acontecimentos passados, não presteis atenção às coisas antigas.
Olhai: vou realizar uma coisa nova, que já começa a aparecer, não a
vedes?». Na segunda leitura, de São Paulo aos Filipenses ouvimos «Só
penso numas coisa, esquecendo o que fica para traz, lançar-me para a
frente, continuar a correr para a meta, em vista ao prémio a que Deus, lá
do alto, me chama em Cristo Jesus. No evangelho de João, no encontro de
Jesus com uma mulher que tinha cometido o adultério, Jesus, sem aprovar
o pecado, diz-lhe: «Mulher, ninguém te condenou? Nem eu te condeno.
Vai e não tornes a pecar». A primavera que está aí e a Páscoa que se
aproxima são sinais de que algo novo está a surgir e a despertar.
O evangelho contrapõe duas atitudes que podem ser as nossas: por um
lado, a dos escribas e fariseus, por outro, a de Jesus. Os primeiros querem
condenar a mulher, pela aplicação fiel da lei, da que se julgam tutores. Do
outro lado Jesus, quer salvá-la. Jesus é a misericórdia de Deus em pessoa.
De facto o que os primeiros queriam era armar uma cilada a Jesus e terem
um pretexto para o acusar. A primeira maldade é esta, pois se Jesus
dissesse para não apedrejar a mulher estaria a violar a lei mosaica, se

dissesse para o fazer, estava a violar o direito romano. Aplica-se a esta
mulher o que São João diz noutra passagem citando Jesus: «Eu não vim ao
mundo para o condenar, mas para o salvar», ou «não são os que estão de
saúde que precisam do médico, mas os doentes», ou ainda «Eu não quero
a morte do pecador, mas antes que ele se arrependa e viva».
Quando Jesus apela à consciência daqueles homens, perante uma mulher
que corria perigo de vida, começando pelos mais velhos, eles vão saindo
um a um e viram as costas; na cena ficam apenas duas pessoas: Jesus e a
mulher, que ficou conhecida como a adúltera. Jesus é a única pessoa que
fala com a mulher e não se limita a falar dela. No dizer de santo Agostinho
ficaram ali naquele terreiro a mísera e a misericórdia. Esta mulher não
tem nome, ficou conhecida apenas pelo seu delito. Será intenção do
evangelista que cada um de nós ponha o seu nome ao que falta na leitura
evangélica de hoje? Esta cena convida cada um de nós a ter consciência de
que somos pecadores, e a deixar cair das nossas mãos as pedras da
difamação, da condenação, do juízo fácil, do linchamento, que
lançamentos contra os outros, seja face a face ou nas redes sociais.
Quando Jesus lhe diz «vai e não tornes a pecar» abre àquela mulher um
caminho novo, possibilitado pelo perdão e pela misericórdia, e
certamente um compromisso de não voltar a pecar, pois não se trata de
aprovar o adultério mas de salvar uma pessoa. A lição é que quando Jesus
nos perdoa, e a gente também, abre-se sempre um caminho novo, uma
nova possibilidade para irmos em frente. O perdão traz-nos a paz, leva-nos
a recomeçar uma história renovada, um futuro novo, um caminho novo,
uma oportunidade, uma vida boa, generosa, livre do pecado. O Papa
Bento XVI dizia-nos que quando alguém descobre e se encontra com Jesus
«dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo».
Por isso dizemos nesta celebração referindo-se a Jesus: «Eis o cordeiro de
Deus, eis aquele que tira o pecado do mundo». É o que aconteceu com
esta mulher e sempre que a gente se encontra com Cristo, sobretudo nos
sacramentos da reconciliação, da santa unção e da Eucaristia.
Afirma o Catecismo da Igreja Católica que «o movimento de regresso a
Deus, pela conversão e arrependimento, implica dor e aversão em relação

aos pecados cometidos, e o propósito firme de não tornar a pecar no
futuro. Portanto, a conversão refere-se ao passado e ao futuro: alimenta-
se da esperança na misericórdia divina» (1490). Ora, «o sacramento da
Penitência é constituído pelo conjunto de três actos realizados pelo
penitente e pela absolvição do sacerdote. Os actos do penitente são: o
arrependimento, a confissão ou manifestação dos pecados e o propósito
de cumprir a reparação e as obras de reparação» (1491). Os efeitos
espirituais do sacramento da Penitência são: a reconciliação com Deus,
pela qual o penitente recupera a graça; com a Igreja;
a remissão das penas temporais e eterna; a paz e a serenidade da
consciência e a consolação espiritual e o acréscimo das forças espirituais
para o combate cristão. (1496)
O mesmo catecismo, a propósito do sacramento que hoje estamos e
celebrar ensino que «pela santa Unção dos Enfermos e pela oração dos
presbíteros, toda a Igreja encomenda os doentes ao Senhor, sofredor e
glorificado, para que os alivie e os salve: mais ainda, exorta-os a que,
associando-se livremente à paixão e morte de Cristo, concorram para o
bem do povo de Deus» (1499). A primeira graça deste sacramento é uma
graça de reconforto, de paz e de coragem para vencer as dificuldades
próprias do estado de doença grave ou da fragilidade da velhice. Esta
graça é um dom do Espírito Santo, que renova a confiança e a fé em Deus,
e dá força contra as tentações do Maligno, especialmente a tentação do
desânimo e da angústia da morte. Esta assistência do Senhor pela força do
seu Espírito visa levar o doente à cura da alma, mas também à do corpo,
se tal for a vontade de Deus. Além disso, «se ele cometeu pecados, ser-
lhe-ão perdoados», diz São Tiago na sua carta (1520).
A Páscoa não tem que ser só alegria pela ressurreição de Cristo que já
aconteceu, deve ser também alegria pela nossa ressurreição que irá
acontecer e já vai acontecendo dia a dia, após o nosso baptismo. S. Paulo
dá conta que completa no seu corpo o que falta á paixão de Cristo. Pois
bem, perguntemos então, este ano, o que falta em mim à paixão de
Cristo, isto, é à Páscoa de Cristo, para que seja também a minha paixão e a
minha Páscoa.

Sé, 3 de abril de 2022

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