II Domingo de Quaresma

Sé, 13 de Março de 2022

Durante estes dias da quaresma, coincidentes com os da guerra, e
quando se cumprem dois anos da actual pandemia, temos rezado
com outro alcance e sentido esta oração ou cântico da tarde:
Crescem nas asperezas do caminho / Pequenas flores brancas d’
esperança; / Não podem os espinhos afogá-las, / Pois foi o amor
quem as chamou à vida. À semente do bem e da verdade / Mistura-
se a cizânia do inimigo. / Estende-nos, Senhor, a tua mão, / Salva do
mal os corações feridos. O mundo inteiro pede a Deus justiça / Do
fundo abismo de ódio e desespero; / E ouvimos Raquel,
inconsolável, / Chorar os sonhos mortos de seus filhos. Quando virá
o luminoso dia / Em que livres da morte e do pecado / Cantemos a
alegria que nos trouxe / A força do teu braço levantado? Escuta a
nossa voz, Trindade santa, / E faz que a penitência quaresmal /
Confirme a nossa fé e nos conduza / Ao encontro de Cristo glorioso.
A Constituição pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo de
hoje, do Concílio Vaticano II, profetizou que «o mundo moderno se
apresenta simultaneamente poderoso e fraco, capaz do melhor e do
pior; abre-se diante dele o caminho da liberdade ou da escravidão,
do progresso ou da regressão, da fraternidade e do ódio. (…). No
íntimo do próprio homem, muitos elementos lutam entre si. De um
lado, ele experimenta, como criatura, as suas múltiplas limitações;
por outro, sente-se ilimitado nos seus desejos e chamado a uma vida
superior».
A Igreja acredita que Jesus Cristo, morto e ressuscitado por todo o
género humano, oferece ao homem, pelo Espírito Santo, luz e forças
que lhe permitirão corresponder à sua vocação suprema(GS).
A  partir do dia em que Pedro confessou que Jesus era o Cristo, Filho
do Deus vivo, o Mestre «começou a explicar aos seus discípulos que
tinha de ir a Jerusalém e lá sofrer […], que tinha de ser morto e
ressuscitar ao terceiro dia»  (Mt 16, 21). Pedro rejeita este anúncio e
os outros também não o entendem. É neste contexto que se situa o
episódio misterioso da transfiguração de Jesus, no cimo duma alta
montanha, perante três testemunhas por Ele escolhidas: Pedro,

Tiago e João. O rosto e as vestes de Jesus tornaram-se fulgurantes
de luz, Moisés e Elias aparecem, «e falam da sua morte, que ia
consumar-se em Jerusalém»  (Lc 9, 31). Uma nuvem envolve-os e
uma voz do céu diz: «Este é o meu Filho predilecto: escutai-O»
 (Lc 9, 35). (cf. CIC 554).
Por um momento, Jesus mostra a sua glória divina, confirmando
assim a confissão de Pedro. Mostra também que, para «entrar na sua
glória» (Lc 24, 26), tem de passar pela cruz em Jerusalém. Moisés e
Elias tinham visto a glória de Deus sobre a montanha; a Lei e os
Profetas tinham anunciado os sofrimentos do Messias. A paixão de
Jesus é da vontade do Pai: o Filho age como Servo de Deus. (CIC,
555) A nuvem indica a presença do Espírito Santo.  No dizer de São
Tomás de Aquino «Apareceu toda a Trindade: o Pai na voz; o Filho
na humanidade; o Espírito Santo na nuvem luminosa».
No limiar da vida pública de Jesus acontece o baptismo; no limiar da
sua Páscoa, a transfiguração. Pelo baptismo de Jesus  foi declarado o
mistério da (nossa) primeira regeneração» – o nosso Baptismo; e a
transfiguração  é o sacramento da (nossa) segunda regeneração» – a
nossa própria ressurreição. A transfiguração dá-nos um antegozo da
vinda gloriosa de Cristo, «que transfigurará o nosso corpo miserável
para o conformar com o seu corpo glorioso»  (Fl 3, 21). Mas lembra-
nos também que temos de passar por muitas tribulações para entrar
no Reino de Deus» ( Act 14, 22 ): «Era isso que Pedro ainda não tinha
compreendido, quando manifestava o desejo de ficar com Cristo no
cimo da montanha, já não queria descer (CIC 556).
A transfiguração teve lugar durante a oração de Jesus. «Enquanto
orava seu rosto alterou-se» (Lc 9, 29). Isto quer dizer que a oração
incide sobre o rosto, sobre a identidade pessoal. A oração ilumina e
orienta as decisões existenciais. Ora, não há vida cristã sem oração,
sem tempo ‘perdido’ para Deus, com Deus, em Deus. Quando
entramos na nuvem, na oração, não saímos da mesma maneira. Há
uma transparência que nos atravessa,, que é possível experimentar
já como conversão. A quaresma é o tempo para nos decidirmos a
entrar nessa vida de oração. É assim que vemos homens e mulheres

que quando entram em oração dão já sinais de transfiguração. Como
não recordar hoje Santa Teresa de Ávila, Santo Inácio de Loiola, S.
Filipe de Neri, S. Francisco Xavier e Santo Isidoro Lavrador, quando
de cumprem 400 anos da sua canonização?
No pensamento de São Leão Magno, tal como reza o prefácio da
missa de hoje, «a principal finalidade desta transfiguração era fazer
desaparecer do coração dos discípulos o escândalo da cruz, para que
a humilhação da paixão, voluntariamente suportada, não
perturbasse a fé daqueles a quem tinha sido revelada a excelência
da dignidade oculta de Cristo».  
Jesus já havia afirmado que «os justos brilharão como o sol no
reino de seu Pai». E o apóstolo São Paulo « Eu penso que os
sofrimentos do tempo presente não têm comparação com a glória
que se há-de manifestar em nós;  e de novo:  Vós morrestes, e a
vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, vossa
vida, Se manifestar, então também vós vos haveis de manifestar com
Ele na glória». E ainda São João,  «a lei foi dada por meio de Moisés,
a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo.    
Há uma oração da Liturgia bizantina que reza assim:
«Transfiguraste-Te sobre a montanha e, na medida em que disso
eram capazes, os teus discípulos contemplaram a tua glória, ó Cristo
Deus; para que, quando Te vissem crucificado, compreendessem que
a tua paixão era voluntária, e anunciassem ao mundo que Tu és
verdadeiramente a irradiação do Pai».
Termino com uma oração da Igreja, pelo fim da guerra: «Olhai a
humanidade dividida / Olhai os transviados, os sem norte, / A força
da mentira, o erro, a morte / e sobretudo o amor faltando à vida. /
Rebanho sem pastor nos montes bravos / Que seremos sem Vós
neste deserto? Sem Vós, ó Cristo, neste mundo incerto, Não somos
homens livres mas escravos. / Salvai, Senhor, o vosso povo aflito, /
Que nos seus próprios erros vive errante; / Da morte libertai-nos,
triunfante, /Como Israel salvastes do Egipto! Da morte e do pecado
Libertai-nos, Senhor. Contritos, esperamos Vossa Páscoa de Amor».

Hélder, Administrador Diocesano de Angra

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