IV Domingo do Tempo Comum Ano C

Sé, 30 de janeiro de 2022

«De maneira imperfeita conhecemos, de maneira imperfeita
profetizamos; agora vemos como num espelho e de maneira
confusa», diz-nos a 2ª. Leitura na Palavra de Deus deste domingo. É
assim que devemos partir, não só no conhecimento científico, mas
sobretudo no conhecimento do mistério de Deus que nos habita.
Agora, termina a dita leitura, permanecem estas três coisas: a fé, a
esperança e a caridade; mas a maior de todas é a caridade. As três
são precisas para a viagem de famintos romeiros e sedentos
peregrinos até ao dia de chegarmos ao destino final. Nesse ficaram
duas virtudes teologais atrás – a fé e a esperança, porque entretanto
já alcançadas e superadas, só a caridade permanece.
Pois então deixaremos o que é infantil, veremos face a face, com luz
e claridade, o imperfeito desaparecerá. Estou a referir-me ao célebre
hino da caridade, uma das mais sublimes páginas do cristianismo e
de todo o fenómeno religioso.
«Vou mostrar-vos um caminho de perfeição, um caminho melhor
que ultrapassa tudo, diz Paulo. Uma vez conhecido o mistério de
Deus como Amor, quem vive em Deus e Deus nele, permanece no
amor. E diz Paulo noutro discurso aos gregos: «Deus assim procedeu
para que a humanidade o buscasse e provavelmente, como que
tacteando, o pudesse encontrar, ainda que, de fato, não esteja
distante de cada um de nós: Pois nele vivemos, nos movimentamos e
existimos’, como declararam alguns de vossos poetas: ‘Porquanto
dele também somos descendentes’. (At. 17).
Ora, aqui acendramo-nos no mistério de Deus distinguindo o que
são as necessárias mediações para entrar e permanecer, mas sem
confundi-las que o Mistério ao qual estão ao serviço. Tudo isto para
nos descansar que o alto grau de exigência que lemos neste capítulo
do Novo Testamento não é para fazer uma testagem moral, mas para
darmos conta de que se verdadeiramente somos religiosos, católicos
ou outra confissão ou tradição, então estamos imersos no amor de
Deus que se expande em diversos carismas, todos eles a partir da
mesma base: um amor verdadeiro e uma verdade amorosa.

A leitura aponta oito marcas positivas e sete negativas sobre o que é
o amor na nossa convivência humana, quando vivemos em Deus. É
assim que termina o evangelho de S. Mateus acerca das obras de
misericórdia no juízo final, e que poeticamente disse João da Cruz,
«ao entardecer da vida seremos examinados/julgados no amor/ de
amor». Não deixemos tudo para a avaliação final, façamos também
fora da escola ou da universidade uma avaliação contínua, como se
faz agora semestralmente, pois assim poderemos escolher um
caminho melhor e mais perfeito. Assim rezamos na oração colecta
do início desta celebração «Concedei, Senhor nosso Deus, que Vos
adoremos de todo o coração amemos todos as pessoas com sincera
caridade».
Posto isto, entendemos melhor a vida e missão de N. S. Jesus Cristo,
dos profetas e dos santos. O evangelho apresenta-nos Jesus no início
da sua vida pública e na primeira situação contenciosa com os seus
paisanos. Ele acaba de apresentar o seu programa público ou
político, no melhor sentido do termo, realizando em si mesmo e hoje
mesmo o que o profeta Isaías havia predito: Eu sou / estou hoje aqui
para anunciar uma boa nova aos pobres, para proclamar a redenção
aos cativos, dar a vista aos cegos, restituir a liberdade aos oprimidos
e proclamar um ano da graça do Senhor».
Quando em Nazaré dizem a Jesus ‘faz aqui o que fizestes em
Cafarnaum» ele acrescenta «nenhum profeta é bem recebido na sua
terra» e cita duas passagens do Antigo Testamento, em que dois
profetas caros ao povo de Israel, Elias e Eliseu, tiveram uma acção
com sucesso relativamente a uma viúva da região da Sidónia e a um
general sírio, respectivamente.
Ao ouvirem estas palavras ficaram furiosos, pois viram que a acção
de Deus manifestada em Jesus não tem raças, nem partidos, nem
religiões, nem privilegiados, mas é para quem se abre à sua graça.
Assim Jeremias, a quem o Senhor chamou desde o seio materno,
também não teve uma vida e missão fáceis, terminando a primeira
leitura, dizendo relativamente a este homem, «Eu estou contigo para
Te salvar».
Então na resposta que demos a esta leitura, cantamos «a minha boca
proclamará a vossa salvação. Proclamará a vossa justiça, dia após dia

a vossa infinita salvação. Desde a juventude Vós me ensinais e até
hoje anunciei sempre os vossos prodígios».
O profeta não prevê o futuro, mas vê o presente, a vontade de Deus e
o seu projecto de salvação. O profeta não tem de dizer o que o povo
quer ouvir com aplausos, aquilo que vende mais ou dá mais votos, o
que é a opinião maioritária, o que é o populismo de alienar a
consciência a e liberdade a outro ou a uma ideologia; o profeta não
está obrigado a dizer o que é cultural, social e politicamente correcto.
Estes não são os parâmetros da vocação e da missão profética.
O profeta de hoje que esteja numa rede social terá muita dificuldade
em limitar a sua profecia a dizer gosto para ser simpático e
conquistar novos amigos virtuais ou abster-se quando não gosta,
para não desgostar outros potenciais amigos. É muito pouco para a
nossa intervenção pública, para a transformação das alterações
climáticas ou da sociedade em antecipação do reino de Deus.
Às vezes custa-nos a ouvir a verdade, a verdade dói sobretudo numa
situação de injustiça, sobretudo se mexe com o poder e interesses
instalados, mas por ela seremos libertos. Sempre que deixemos Deus
entrar é par doar, perdoar, libertar, cuidar, salvar. Essa é acção de
Deus em nós e como nos faz falta esta fonte de amor, de luz e de
energia. Como nos faz falta o Espírito Santo em nós.
Pelo baptismo, participamos das três funções de Cristo como
profetas, sacerdotes e reis. Como profetas, seremos sinal de
contradição, sacramento universal de salvação, bem-aventurados
por sofrer perseguição por amor da justiça ou de sermos levados a
tribunal por causa do nome de Jesus. Como sacerdotes, que
oferecem a Deus a sua vida, vontade, oração, gratidão e sacrifícios.
Se deixamos de rezar pessoal e comunitariamente esta luz apaga-se e
ficamos na mais profunda escuridão, nas trevas do desconhecimento
dos outros, até ao extremo da violência. Como reis, com a
capacidade de governar e servir a nossa casa e a nossa terra,
procurando primeiro o reino de Deus e a sua justiça.

Hélder, Administrador Diocesano de Angra

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