Homilia na celebração da Festa da Sagrada Família 2021
São Carlos. Angra.
Neste domingo celebramos o primeiro dia da oitava do Natal do Senhor Jesus, a festa da sagrada família de Nazaré quando já está toda junta no presépio, e ainda, nesta comunidade, o aniversário e ação de graças pela edificação desta casa maior, a que chamamos igreja de São Carlos.
Encontramos na sagrada família a grandeza e as dificuldades por que passam todas as famílias humanas: o amor, o sonho, a ternura, o trabalho, a oração, o silêncio, as peregrinações e as viagens, mas também recusas, rejeições, perseguições, fugas, emigração, retorno, doença e morte. Eis a família ideal ou perfeita, mas mesmo assim onde também não faltam contrariedades e fragilidades. Efetivamente, Jesus é igual a nós em tudo, menos no pecado.
«Nenhuma família é uma realidade perfeita e confecionada duma vez para sempre, mas requer um progressivo amadurecimento da sua capacidade de amar. Há um apelo constante que provém daquela comunidade tão bela que é a família de Nazaré. Mas contemplar a plenitude que ainda não alcançámos permite-nos também relativizar o percurso histórico que estamos a fazer como família, para deixar de pretender das relações interpessoais uma perfeição, uma pureza de intenções e uma coerência que só poderemos encontrar no Reino definitivo. Além disso, impede-nos de julgar com dureza aqueles que vivem em condições de grande fragilidade. Não percamos a esperança por causa dos nossos limites, mas também não renunciemos a procurar a plenitude de amor e comunhão que nos foi prometida». (AL 325).
Ora, «quem casa, quer casa». Antes, tínhamos a casa dos nossos pais; quando constituímos família, sonhamos em construir uma casa própria, sem que isso signifique rutura com as famílias paternas e maternas de origem. Não sendo possível construir logo, improvisa-se como no presépio, e quando possível constrói-se (ou reconstrói-se) uma casa nova.
Ora, o mesmo acontece na comunhão das famílias de batizados, a que chamamos de comunidade cristã, de paróquia ou curato, dentro da Igreja Local, a que chamamos Diocese. Por exemplo «paróquia de São Pedro», de onde provimos, quer dizer as casas que estão à volta da igreja, curato quer dizer o lugar onde se cura a alma e se cuida uns dos outros – assim deve ser em São Carlos.
Quando surge um conjunto de igrejas domésticas torna-se necessário construir uma casa maior que acolha toda a comunidade. Assim nasceu há quase 30 anos, contando com o plano e o projeto, a igreja de São Carlos na cidade de Angra do Heroísmo. Trate-se de um lugar habitado bastante antigo, que ganhou a sua identidade a partir de um momento difícil, de uma erupção vulcânicaa montante, no século XVIII, era então dia de festa de São Mateus (21 de setembro), ficando desde daí o voto que no domingo seguinte, a cada ano, esta comunidade haveria de dar glória a Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, dando esmolas aos irmãos, pois tal gesto é do agrado do Santo Espírito e dos pobres.
Não estamos livres de que essa experiênciadas nossas origens se repita. E por isso alegramo-nos hoje e desde aqui, os cristãos açorianos, com os habitantes da ilha de La Palma, na Diocese de Tenerife, que vêm finalmente extinto os efeitos trágicos da bravura de um vulcão que teimava em adormecer de novo. Foi este dia de Natal de boas notícias para esses nossos irmãos, cansados de tanto sofrimento, perda e trabalho. Agora, em 2022, começa a construção de tantas casas e igrejas que foram subterradas. De certo, encontraremos modos de auxiliar a população desta ilha e a diocese a que pertence. Seremos dos povos que melhor compreendem esta situação.
A Igreja é o Povo que vive em comunhão com o Pai, o Filho que nos é dado no Natal, e o Espírito Santo derramado nos nossos corações.
Se aqui em São Carlos não faltar o anúncio jubiloso do evangelho, – como o de hoje – «anuncio-vos uma grande alegria – foi-nos dado, nasceu para nós um Salvador»; se não nos faltar a força da oração e dos sacramentos, sobretudo da Eucaristia; se não nos faltar o serviço, o cuidado, o amor uns pelos outros, sobretudo pelos mais vulneráveis e também pelos que são diferentes de nós, estamos já a ser uma comunidade cristã, guiada pela estrela do presépio. Então valeu a pena construir esta igreja. Obrigado a quem o fez!
Isto não nos deve envergonhar, mas pelo contrário – fiéis às nossas raízes e tradições, seremos criativos e criadores de um mundo que pode ser outro. Há uma diferença cristã que não podemos ignorar, pelo contrário, se deve promover, numa cosmovisão que cabe numa ilha, mas não acaba nela.
Demos graças a Deus por esta edificação que só faz sentido para ser habitada. Primeiro como um lugar onde Deusmora do meio do seu povo. Aquela lâmpada junto do sacrárioacesa permanentemente, quer dizer que tem sempre Alguém em casa -Deus não dorme; além disso é a casa para acolher o povo de Deus que peregrina por São Carlos,até chegar à sua morada definitiva que certamente não será esta. Contudo, é aqui que ensaiamos e construímos um novo céu e uma nova terra onde habite a justiça e paz.
Passemos à celebração da Eucaristia deste Domingo, pedindo ao Senhor que «aceite os dons que trazemos ao altar e que os santifique com o mesmo Espírito que pelo poder da sua graça, fecundou o seio da Virgem Maria», e rezemos pelas nossas famílias à Sagrada Família:
«Jesus, Maria e José,
em Vós contemplamos
o esplendor do verdadeiro amor,
confiantes, a Vós nos consagramos.
Sagrada Família de Nazaré,
tornai também as nossas famílias
lugares de comunhão e cenáculos de oração,
autênticas escolas do Evangelho
e pequenas igrejas domésticas.
Sagrada Família de Nazaré,
que nunca mais haja nas famílias
episódios de violência, de fechamento e divisão;
e quem tiver sido ferido ou escandalizado
seja rapidamente consolado e curado.
Sagrada Família de Nazaré,
fazei que todos nos tornemos conscientes
do carácter sagrado e inviolável da família,
da sua beleza no projecto de Deus».
Hélder Fonseca Mendes,
Administrador Diocesano de Angra e Ilhas dos Açores