Homilia na Festa de São Sebastião – Pontes de esperança!
Matriz de Ponta Delgada
1. “Não tenhais medo … Venerai Cristo Senhor em vossos corações, prontos sempre a responder, a quem quer que seja, sobre a razão da vossa esperança”, assim nos convidava Pedro na 2ª Leitura. Pedro fala a irmãos de fé e convida a uma esperança que vá até à vida eterna, que não pare à porta da Igreja depois da Eucaristia ou que nos espera, cada dia à porta de casa. Quando se sai uma porta há sempre estrada do lado de fora!
Quando ontem saí de casa pensava como seria bom se pontes ligassem as ilhas e pudesse deslocar-me de carro como estou habituado. Seria porventura mais fácil encontrarmo-nos, sentir melhor a harmonia da unidade. No entanto, o nosso Bom Deus deu-nos alternativas. Desde logo a possibilidade de fazer uma viagem de avião mais rápida. Tudo tão fácil… Mas ficou-me uma reflexão: estas pontes de serviço que criam unidade têm que ser as pessoas. Esta ponte serve os outros, une Homens e mulheres das duas margens, convida-os a não ficarem sempre parados e fechados, possibilita encontros novos e ricos, traz desenvolvimento. A ponte une margens para não haver marginalizados, olha os passantes como parte de si mesmo, até os desconhecidos, serve a todos e, não menos importante, contribui para que todos sejam servidos de igual forma. Precisamos de mulheres e homens que sejam pontes, como Cristo e os seus santos! Como o Glorioso São Sebastião.
2. Cristo é ponte porque, saindo da Trindade, veio ligar o Céu à terra ao encarnar no seio de Maria e assumir um corpo humano. Tornou eternamente digna qualquer vida humana, trouxe-lhe vida divina que recebemos pelo batismo. Por isso, nunca mais se deita abaixo a ponte da unidade com o Pai. Na Missa, cada oração é sempre feita ao Pai, por meio dessa ponte que é Cristo e onde o Espírito Santo é o Amor que nos faz um corpo unido, Igreja! “Ninguém vai ao Pai senão por mim” diz Jesus.
3. É bom ver os Santos também como pontes a unir a história. Eles não são passado, são presente, como Cristo. Os santos são Cristo explicado ao longo dos tempos. Homens e mulheres que na sua própria época souberam explicar Cristo e dar razões da sua esperança de tal forma que a sua palavra e vida perduraram no tempo. Por isso, os santos também não morrem, continuam nossos e continuam a contar, ainda hoje, as razões da sua esperança. Alguns são mesmo celebrados como “padroeiros”, porque modelos para a vida cristã numa paróquia, cidade ou país. Foram apóstolos, como S. Pedro ou S. João Paulo II que visitou esta nossa bela cidade, mas também mulheres; foram mártires da fé como S. Sebastião, mas também mártires no trabalho, no serviço aos doentes em casa, hospitais ou lares; foram fundadores de grandes Movimentos como S. Francisco de Assis, mas também como lhes chama o Papa Francisco, “santos de o pé da porta”, desconhecidos que nos transmitiram valores que alimentam a esperança em Deus. Foram pais e mães, colegas de escola ou de trabalho, simpáticos ou até antipáticos, sem abrigo ou criminosos… A ninguém é negada a conversão e a santidade. Todos são dotados de dons capazes de fé até à vida eterna!
4. É por tudo isto que a nossa cidade de Ponta Delgada está hoje em festa, celebrando o Padroeiro desta Matriz e da cidade. Dele recebemos a implorada e desejada proteção, mas também uma suprema lição, que não se resume a uma história contada, mas passa pela doação da própria vida, porque só com a vida que se dá se pode ser ponte na história. A nós, que aqui nos reunimos hoje, interessa-nos saber que foi Jesus Cristo a sua verdadeira razão de viver… e de morrer. Foi intensa a sua LUZ, imenso e conhecido o seu TESTEMUNHO no meio da cidade que tirava vidas de cristãos e de outros seres humanos de segunda classe para fazer festas em Roma, uma cidade sem Vida, com imperadores prepotentes e senhores de tudo, até de decidir em que se deveria acreditar. Este tempo continua a ser tentação: o do pensamento único e intocável. Nunca como hoje, houve tanta perseguição de cristãos. E não são só cristãos, são também os diferentes, os de outra religião, como os de outra cor, país ou cultura. Estão a renascer os totalitarismos onde tantos de pensamento frágil são manipulados. Na segunda guerra mundial, soubemos da perseguição aos judeus, terrível e abominável, mas para os fornos crematórios, essas arenas escondidas do século XX, não foram só os homens de fé, foram também deficientes, adversários, de outras orientações, doentes graves, homens de rua, etc. Todos os que não dignificavam a chamada “raça pura”!
Hoje nas cidades livres circulam, graças a Deus, todo o tipo de pessoas. Há, porém, mártires que nos incomodam e desafiam a sair como a São Sebastião. São mártires das muitas fomes, do Covid 19 e todas as pestes e guerras que humilham a humanidade. Nas cidades onde cada vez mais convivemos pacificamente com a diversidade, corremos o risco de ficar indiferentes ao grito de irmãos e por irmãos que sejam pontes por onde passe o amor de Deus: são os 25% de pobres, os sem família ou abrigo, São minorias? Foi por essas que Jesus começou… como foi com os pastores. É um desafio para qualquer cristão que celebra Cristo na Eucaristia.
5. Basta chegar a PDG para perceber que convivemos numa cidade viva e rica culturalmente, onde a diversidade de pessoas e instituições a enriquecem e fazem desenvolver. Nestes lugares que são ilhas, respira-se também universalidade, sentimo-nos católicos que significa universais, abertos a todo o mundo. As primeiras comunidades cristãs aprenderam de Jesus o que era ter “olhos de missionário” e atitude disponível para amar cada homem ou mulher, judeu ou pagão, crente ou não crente. Somos como as pedras deste belo templo de quase 500 anos que testemunham vivências, histórias, vidas, amor, mesmo passando por momentos de morte.
6. Também o mártir São Sebastião é património desta Igreja e cidade, pelo que conta de história e vida com Cristo e por causa de Cristo. Um dia, este jovem filho de nobres e militar, deixou a cidade de Milão onde a forma como vivia “era coisa pouca”, era insossa. Peregrinou 600 kms até Roma pois a paixão pelo seu Cristo era demasiado forte para não ouvir o grito dos seus irmãos cristãos a serem perseguidos. Eles eram corpos de Cristo vivo a serem crucificados. “O que fizerdes a um dos meus irmãos mais pequeninos a mim o fazeis”! Quantas coisas Jesus não lhe terá ensinado durante esses 600 Kms de caminho… Chegado ali, soube beber na mesma fonte do sacrifício deles, aprendeu o que significa ter fé “até estar pronto a dar a vida” e, mesmo que não tivesse mais para lhes dar, distribuiu-lhes o pão da amizade que já fortalece o pobre, o perseguido, o doente ou o moribundo.
Acabou como tantos deles, perseguido e morto porque ousou denunciar a crueldade do imperador e não quis renunciar à sua fé. Também ele sabia o que lembra Pedro e o próprio Evangelho de hoje: nada há a temer. Ninguém pode eliminar Jesus em nós e, pior que matarem o corpo, é desviamo-nos do amor de Cristo que não quer perder ninguém. De facto, “até os cabelos da nossa cabeça estão contados…”.
7. Quem é hoje e que nos diz São Sebastião? É um jovem leigo, comprometido e destemido num tempo parecido com o nosso: era e são precisos novos evangelizadores que empapem o mundo com a “alegria do Evangelho”, voltem a dar ânimo aos cristãos adormecidos, indiferentes, amorfos e de vida insossa!
– Precisamos de jovens e adultos insatisfeitos e que, como ele, se metam ao caminho em busca de Jesus vivendo a sua vocação no mundo. Que queiram caminhar sempre. No caminho há tempo, há silêncio, há fome, há sacrifício e vontade de chegar à meta renovados. No caminho junta-se sempre Cristo que dialoga e deixa palavras de amor eterno, de misericórdia infinita, reconstrói a vida. Na cidade dos homens de hoje, queremos tudo feito, depressa e sem sacrifício. É impossível. Também em Igreja, na vida e compromissos com a fé e os ensinamentos da Mãe Igreja se pode ficar na zona cinzenta do “nim”, nem sim nem não. “Quem não acredita em nada, está pronto a acreditar em qualquer coisa, adere à primeira que lhe apresentem…
– Sebastião não temia os perigos, os sofrimentos ou a morte; nada era superior ao amor que o impelia. Talvez por isso o povo açoriano tanto confia no Espírito Santo que ilumina e guia quem segue Jesus, o Peregrino do Pai. Por isso tanto confia no Senhor Santo Cristo que acolhe, aconchega ao Seu peito quem como Ele sofre, agarra e salva cada sofredor do caminho. Talvez por essas devoções o povo peregrina longamente para alcançar a vida eterna salvação. Que o digam os romeiros que durante dias e dias buscam o Senhor ao longo do caminho, em atitude penitencial. Sabem que sem sacrifício não há ressurreição e vida eterna.
Termino: No meio da cidade decadente de Roma, São Sebastião foi ponte no encontro com os irmãos. De qualquer lugar se via que Sebastião trazia Cristo a arder no coração. Não o escondia. Por isso, o imperador romano, Diocleciano, quis fazer desaparecer este soldado de Cristo na grande perseguição que desencadeou contra os cristãos nos primeiros anos do século IV. Diz D. António Couto sobre São Sebastião: “O tirano fez o que podia fazer. Mas era pouco e tarde demais. Mandou quebrar o frasco cheio de perfume. Mas não se apercebeu que, ao quebrar-se o frasco, se soltaria o perfume, que nem o estrume de Roma podia apagar. E foi assim que o perfume intenso daquele amor imenso se espalhou por Roma e pelo mundo inteiro”.
Chegou até aqui, a Ponta Delgada, esse cheiro intenso e perfumado, que sanava a podridão fétida, mas também o vazio do coração e da alma, a descrença e a indiferença, a maior doença que corrói a sociedade. Um mártir não tem adereços. É Jesus que São Sebastião tem nos olhos e no coração. É Jesus a sua esperança. É Jesus a nossa esperança. Sejamos então PONTES DE ESPERANÇA UNS ENTRE OS OUTROS.
+ Armando, Bispo de Angra