Missa de Natal de 2022
A Palavra de Deus e o mistério que celebramos hoje partem da
linguagem do sinal. A Deus ainda não O vemos face a face como
acontece connosco, mas não nos faltam sinais para que Ele chegue a
nós, nós a Ele e a gente se encontre. Se não vejamos:
«Isto vos servirá de sinal: encontrareis um Menino recém-nascido,
envolto em panos e deitado numa manjedoura».
«Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua Mãe: Eis que Ele está aqui
para a queda e o ressurgir de muitos em Israel e para ser sinal de
contradição a fim de se revelarem os pensamentos de muitos
corações». (Lc 2, 34-35) .
Um dia alguns fariseus e doutores da lei fizeram um pedido a Jesus
dizendo «Mestre, queremos ver da tua parte um sinal. Mas Ele,
respondendo disse-lhes: Geração má e adúltera que procura um
sinal; mas nenhum sinal lhes será dado, a não ser o sinal do profeta
Jonas. Pois assim como Jonas esteve no ventre do monstro marinho
três dias e três noites, assim também estará o Filho do Homem no
coração da terra três dias e três noites».
É natural que a gente tenha dúvidas sobre a identidade de Jesus
como verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, pois até João Batista
também as teve e por isso mandou perguntar: «És tu aquele que há –
de vir ou devemos esperar outro?» ao que Jesus respondeu: «Ide
contar a João o que vedes e ouvis: os cegos veem, os coxos andam, os
leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e a
boa nova é anunciada aos pobres».
O Papa Francisco ofereceu-nos há três anos uma carta apostólica a
que chamou O SINAL ADMIRÁVEL referindo-se ao Presépio, que
«equivale a anunciar, com simplicidade e alegria, o mistério da
encarnação do Filho de Deus. De facto, o Presépio é como um
Evangelho vivo que transvaza das páginas da Sagrada Escritura. Ao
mesmo tempo que contemplamos a representação do Natal, somos
convidados a colocar-nos espiritualmente a caminho, atraídos pela
humildade d’Aquele que se fez homem a fim de Se encontrar com
todo o homem, e a descobrirmos que nos ama tanto, que se uniu a
nós para podermos, também nós, unir-nos a Ele».
Quer isto dizer que o sinal é sempre o mesmo, ontem, hoje, e por
toda a eternidade, no presépio, no altar da Eucaristia e no sepulcro
vazio: Jesus encarnado, sacramentado e ressuscitado, aquele que
disse a Filipe: «Quem Me vê, vê o Pai».
O sinal é o rebaixamento total de Deus. O sinal deu-se quando nessa
noite Deus amou a nossa pequenez e se fez ternura; ternura para
toda a fragilidade, para todo o sofrimento, angústia, procura e limite.
O sinal é o amor de Deus. A mensagem que esperavam todos os que
pediam sinais a Jesus, os desorientados e até os seus inimigos era
esta: procurem o amor de Deus, Deus feito amor, Deus que acalma a
nossa miséria, e que ama a nossa pequenez.
Não faltou quem pedisse sinais diferentes. Por exemplo, os
discípulos ao serem mal recebidos em Samaria sugerem a Jesus que
envie raios do céu sobre os seus habitantes para os destruir, o que
Ele só não faz como corrige imediatamente os discípulos; na paixão,
quando Pedro retira a espada para defender Jesus, Ele manda
guardá-la imediatamente; e na Cruz, de entre as provocações, há
quem lhe diga: «se é Deus desce da cruz para que a gente acredita
em Ti». O que não aconteceu. O convite de Jesus é outro e a sua
lógica também: «Vinde a Mim todos vós que andais cansados e
oprimidos e eu vos aliviarei. Aprendei de Mim que sou manso e
humilde de coração».
Chamo atenção para o capítulo do Credo que hoje rezamos ou
cantamos de joelhos, dando sentido, profundidade e largueza ao
mistério do Natal que festejamos: «E por nós, homens, e para nossa
salvação desceu dos céus. E encarnou pelo Espírito Santo, no seio da
Virgem Maria e Se fez homem», sublinhando na letra e na música o
verbo «encarnar» que nos leva ao presépio, mas também ao altar da
Eucaristia quando sobre o pão e o vinho, na última Ceia, Jesus disse:
«Isto é o meu corpo. Isto é o meu sangue. Fazei isto em memória de
mim». Finalmente, uma vez ressuscitado parecia a alguém que era
um fantasma e então Jesus esclarece: «Sou Eu, não temais».
De facto, como diz a segunda leitura: «Manifestou-se a graça de
Deus». A «graça de Deus» é uma expressão para falar do amor de
Deus sem condições. Estas palavras têm, nesta noite, um sabor
especial: é em Jesus nascido, que o amor de Deus pela humanidade
se manifesta de forma extraordinária. Acolher esta graça tem
naturalmente implicações que nos altera a vida, para melhor.
«Manifestou-se a graça de Deus, fonte de salvação para todos os
homens, ensinando-nos a renunciar à impiedade e aos desejos
mundanos para vivermos, no tempo presente, com temperança,
justiça e piedade».
Celebrar o Natal do Senhor Jesus com toda a doçura que contem,
tem implicações nas nossas vidas. Seria uma pena que também de
nós se dissesse «veio ao que era seu e os seus não receberam» ou que
para José e Maria não havia lugar para os acolher nem para o
Menino nascer. Isto pode acontecer também hoje connosco. Às vezes
estamos tão cheios de nós mesmos, inchados de vento, de
preocupações intranscendentes, de frivolidades e indiferenças que
não damos conta de nada, nem dos sinais a que nos referimos.
Celebrar o Natal deveria significar fazer lugar para o amor de Deus
no nosso programa de vida. Mesmo que este seja um período de
férias, de mobilidade, de ofertas e de encontros familiares, nada
disso é mal. Nós os cristãos temos um «plus» de motivos de alegria e
de celebração que devem ser vividos em as situações, evitando os
perigos de uma banalização consumista, como se este fosse um
intervalo para uma alienação coletiva. O pobre é também sinal de
Jesus no presépio, pois «o que fizestes a um dos meus irmãos mais
pequeninos, foi a Mim que o fizestes», diz-nos Jesus (Mt. 25).
O evangelho dá-nos uma grande alegria: «Hoje nasceu para nós o
Salvador». «Por isso, quero gritar, de porta em porta, a mentira das
noites sem estrelas», e fazer notar uma luminosa constelação de três
estrelas ou tríptico onde cada uma tem o seu nome: a graça, a
ternura e a fraternidade.
A graça é o rosto de Deus que sorri à Humanidade, os seus braços
que se abrem e alargam, as suas mãos que agarram quem está
prestes a afundar-se na lama do mal, do pecado, da dor.
A segunda estrela é a ternura, irmã da misericórdia, da compaixão,
da piedade, da empatia, da bondade, da delicadeza. A «revolução da
ternura» tem o coração como epicentro, em sentido contrário à
revolução auspiciada pelas armas, baseada no ódio, no rancor e na
vingança.
A terceira estrela chama-se fraternidade, levando-nos a alongar,
dando origem à possibilidade de abraçar e de unir, de forma a
alcançarmos uma Humanidade que embora múltipla é filha do único
Adão-Homem, que nasceu das mãos do único Pai – Criador e tem
salvação no único Cristo – Senhor.
Sobre todos invoco a bênção de Deus que anunciou aos pastores a
grande alegria do nascimento do Salvador; que Ele derrame em
vossos corações a sua alegria e vos conceda o dom da sua paz e do
seu amor. Boas festas!
Hélder, Administrador Diocesano de Angra