Mensagem do Bispo de Angra para a Quaresma
Em pleno Jubileu da Esperança, os católicos são chamados a viver um tempo de penitência e de conversão, uma verdadeira peregrinação interior e exterior. A partida é sempre do interior de nós mesmos; o percurso será através dos locais sem esperança em nós e nos irmãos; o alimento será a Oração e Eucaristia, a Reconciliação, a caridade e a Palavra da Escritura; o destino é Cristo Ressuscitado, a nossa Páscoa. Começamos com o gesto da imposição das cinzas sobre a cabeça, sinal da fragilidade que transportamos e do perdão de Deus que é garantido a quem pede perdão e nos faz recomeçar sempre. O Senhor “até sobre os ossos ressequidos pode fazer soprar o seu Espírito” e fazer renascer vida nova (Cf. Ez 35).
Um lugar perigoso
É o próprio Jesus quem nos ensina a viver estes 40 dias. O Evangelho do primeiro domingo da Quaresma relata a linha de partida de Jesus: foi conduzido ao deserto pelo Espírito (Lc 4,1-13). Foi conduzido a um lugar “perigoso”: o deserto. No limiar da sua atividade como pregador itinerante, quem é que Jesus encontra? A si próprio. É a história das tentações (cf. Lc 4,1-13) em que vê as contradições e os conflitos. O lugar “perigoso” é a sua própria interioridade. Jesus descobre em si mesmo os sonhos de omnipotência e de omnidomínio, a ilusão da invulnerabilidade, o risco de manipular em seu próprio benefício os outros a quem foi enviado para servir. No entanto, não foge perante a agitação interior. Atravessa este momento de luta na companhia da Escritura. Parece não confiar em si próprio. Procura na Escritura um meio para escutar a desordem e vivê-la à luz da fé no Pai.
É uma bela nota para a entrada no “deserto quaresmal”: durante a tempestade, não nos apoiemos apenas nas nossas próprias forças nem na própria leitura da realidade. É bom descentrarmo-nos através da escuta da Escritura, na qual recebemos o juízo de Deus sobre a realidade. Deus está presente na desordem, nas nossas contradições e pecados. O Filho amado no qual Deus coloca a sua alegria (cf. Lc 3,22) é este ser humano complexo e contraditório. Somos nós a procurar, não uma libertação dos limites, mas uma liberdade dentro deles. Este “lugar perigoso” mostra Jesus a colocar-se numa situação de igualdade e de hospitalidade fraterna para com aqueles que encontra. Não num pedestal nem numa relação meramente unilateral. Jesus “assume as nossas fraquezas” (Mt 8,17) e quer ser o “pregador itinerante” da nossa Quaresma!
Uma arma poderosa
Nunca, como nestes dias, se viram tantas imagens televisivas a mostrar pessoas em oração. Fiéis a rezar virados para a janela do Papa, muitos outros reunidos na Praça de São Pedro e igrejas de todo o mundo. O arcebispo ucraniano Visvaldas Kulbokas, lembrando as palavras do Papa Francisco que, internado no Gemelli, recordou a Ucrânia, destacou o poder transformador da oração: “Eu pessoalmente chamo à oração ‘uma arma muito poderosa’, de facto omnipotente… Estou convencido de que o homem sozinho, os políticos sozinhos, não são capazes de construir a paz, a verdadeira paz”.
Quaresma apela à oração que converte e santifica. Mas também à oração uns pelos outros. A oração de intercessão é sempre uma expressão de caridade, de amor mútuo. Como poderíamos dizer que nos amamos uns aos outros se cada um de nós orasse apenas por si mesmo? Rezemos então pelas ameaças e tragédias deste nosso mundo dividido, radicalizado, cheio de discursos prepotentes e ameaçadores, próprios de quem quer “ser grande e poderoso”, pouco se importando com os passos trémulos do pequeno e frágil. Na verdade, a Quaresma deste ano inicia com desafios tão grandes que colocam toda a Igreja de joelhos diante de Deus de quem espera o auxílio. Há um mundo em guerra ou a preparar-se para ela, alterações no quadro político e social global que lançam medo onde era preciso esperança. Muitos pobres e irmãos nossos correm o risco de perder apoios de projetos humanitários suportados por “países ricos”, adivinhando-se problemas acrescidos como o aumento da pobreza, das doenças, do isolamento…
São Paulo é muito realista. Ele sabe que a vida é feita de alegrias e sofrimentos, que o amor é posto à prova quando aumentam as dificuldades e a esperança parece desmoronar-se diante do sofrimento. E, no entanto, escreve: «Gloriamo-nos também das tribulações, sabendo que a tribulação produz a paciência, a paciência a firmeza, e a firmeza a esperança» (Rm 5, 3-4)
É por isso, caros irmãos e amigos, que o tempo da Quaresma/Páscoa é por excelência o tempo dos cristãos.
Proponho a todos os sacerdotes da Diocese e comunidades cristãs que, no primeiro domingo da Quaresma, celebrem e rezem de todas as formas pela saúde do Papa Francisco e suas intenções e também pela paz e estabilização da confiança e da esperança entre pessoas e povos.
Cuidar dos próprios pobres
No terceiro domingo da Quaresma, dia 23 de março, teremos o peditório nacional da Cáritas, para apoiar os mais necessitados no país e até emergências em tragédias noutros países. Por esses dias, estarão entre nós as Direções Diocesanas das diversas Cáritas do país para o seu Conselho Nacional. É uma honra recebê-los e uma oportunidade para reflexão!
A Quaresma convida a moldar o coração à medida do de Jesus e a olhar os irmãos a partir dele. O amor ao próximo precisa de coração. Nasce do coração. A verdadeira “esmola”/partilha de bens deve começar por uma “conversão relacional” como recordava o Documento Final do Sínodo dos Bispos: “temos de reaprender do Evangelho que o cuidado das relações não é uma estratégia ou o instrumento para uma maior eficácia organizacional, mas é o modo como Deus Pai se revelou em Jesus e no Espírito”. (50) Sabemos que a falta de relação se pode solidificar em verdadeiras estruturas de pecado que influenciam o modo de pensar e de atuar das pessoas.
Convido toda os homens de boa vontade das comunidades, instituições, autarquias, serviços públicos, grupos caritativos, etc., a uma dimensão sinodal no agir, isto é, de uma prioridade relacional que ouça e envolva a todos. Juntos, podemos fazer, no território que partilhamos – paróquia ou freguesia – uma leitura atenta e atualizada das pobrezas existentes para se equacionar em quê e quem pode socorrer e ser “dador de esperança”.
Para esta “leitura” pode servir de guia a lista dos mais necessitados de esperança de que fala o Papa na Bula “A esperança não desilude” dos nºs 9 a 15. Começa por afirmar: “a comunidade cristã não pode ficar atrás de ninguém no apoio à necessidade duma aliança social em prol da esperança, que seja inclusiva e não ideológica” (Spes Non Confundit 9). E passa a enumerar as prioridades: os presos que, privados de liberdade, além da dureza da reclusão, experimentam dia a dia o vazio e as dificuldades de reinserção; osdoentes, cujos sofrimentos poderão encontrar alívio na proximidade de pessoas que os visitem e no carinho que recebem”; os migrantes, que não podem ser frustrados por preconceitos e isolamentos”; muitos exilados, deslocados e refugiados que precisam de segurança e o acesso ao trabalho e à instrução para uma adequada inserção no novo contexto social”; os idosos, que muitas vezes experimentam a solidão e o sentimento de abandono; os milhões de pobres que correm o risco de que nos habituemos e resignemos”.
Mas é sobretudo fortíssimo o seu apelo à esperança dos jovens que muitas vezes, infelizmente, veem desmoronar-se os seus sonhos. “Não os podemos dececionar: o futuro funda-se no seu entusiasmo”! Lembra que “é belo vê-los irradiar energia … e triste ver jovens sem esperança quando o futuro é incerto e impermeável aos sonhos, o estudo não oferece saídas e a falta de emprego ou dum trabalho suficientemente estável corre o risco de suprimir os desejos”. O Papa lembra a ilusão das drogas, o risco da transgressão e a busca do efémero que criam confusão nos jovens e lhes escondem a beleza e o sentido da vida, fazendo-os escorregar para abismos escuros e impelindo-os a gestos autodestrutivos.
Que esta Quaresma e Jubileu seja, para nós e para as nossas comunidades, ocasião para um impulso novo, atento e sério a favor deles. “Com renovada paixão, cuidemos dos adolescentes, dos estudantes, dos namorados, das gerações jovens! Mantenhamo-nos próximo dos jovens, alegria e esperança da Igreja e do mundo!” (Spes Non Confundit 12).
Se o primeiro cuidado – a atenção, o acolhimento e a proximidade – começar no coração de cada homem e mulher de boa vontade, se cada comunidade souber cuidar de todos a começar pelos seus pobres, então poderemos contribuir para bloquear o crescimento da pobreza e não deixar ninguém a viver “sem esperança”.
Que, com estes horizontes, todos tenham uma Páscoa especial em Ano Jubilar!
Renúncia quaresmal
Como acontece em cada ano, os católicos da diocese são convidados a partilhar a sua Renúncia Quaresmal com um projeto que apoiamos. Não é uma campanha de recolha de fundos, não é uma esmola. Neste dinheiro está o sacrifício das pessoas e também a alegria da partilha. Que seja fruto das renúncias que se vão fazendo, das poupanças numa alimentação mais pobre ou gastos supérfluos evitados, para partilhar, sempre em espírito de oração e de conversão. A sexta-feira, o dia que mais lembra a Paixão de Cristo, pode ser o dia que a todos nos una nesta atual e necessária forma de penitência.
No ano de 2024 apoiámos dois projetos com 29 000 euros.
Este ano, apoiaremos, em partes iguais, dois projetos:
O Projeto MELIKA e um Fundo de Emergência para apoio aos Núcleos Caritativos das paróquias da nossa diocese.
O Projeto MELIKA, em Matala, Angola é promovido pelas irmãs Doroteias, já é conhecido e foi visitado por padres e jovens da nossa diocese em experiências de missão. Melika significa “mulher, chegou a tua hora” e é um projeto de desenvolvimento comunitário multifacetado que pretende ajudar as crianças a terem professores locais preparados. Iremos apoiar a construção de quatro salas de aulas em Freixiel para 35 alunos por sala e uma sala de informática.
O valor total do projeto está orçado em 67 328,90 euros. Vamos ajudar!
03 março de 2025
+ Armando Esteves Domingues, Bispo de Angra