L 1 Jb 38, 1. 8-11;
Sl 106 (107), 23-24. 25-26. 28-29. 30-31: “cantai ao Senhor porque é eterno o seu amor”
L 2 2Cor 5, 14-17
“Quem é este homem, que até o vento e o mar lhe obedecem?” Esta pergunta dos discípulos é a grande questão do Evangelho de Marcos. De facto, uma leitura atenta do Evangelho faz-nos entender como foi difícil para os contemporâneos compreender a identidade de Jesus: a sua família, as multidões, os seus discípulos, as autoridades. Um caminho que apenas se revela e se compreende totalmente no alto da cruz.
Este relato da tempestade acalmada pode parecer estranho e pouco útil. No entanto, existem vários detalhes que nos fazem refletir. Para os antigos, Deus tinha criado o mar, tendo colocado tudo em ordem, depois de uma terra informe e vazia. É Deus que liberta o seu povo, passando também pelo mar. E a leitura de Job diz que foi Ele que encerrou o mar entre dois batentes… fixou limites e trancou-o entre ferrolhos. Por isso, só Deus é Senhor do mar.
As águas impetuosas do mar assustavam os antigos, como lugar de monstros e de morte. Algo que até os navegadores portugueses receavam, mas que conseguiram vencer. Torna-se símbolo de todas as adversidades, desentendimentos, doença e morte, dificuldades e desafios que encontramos na vida.
Justamente, passando por esse mar, o Senhor convida, ao cair da tarde a passar para a outra margem: para a terra dos gerasenos, território de pagãos. Convite à missão, concluída a sua passagem por esta terra.
A barca simboliza a comunidade cristã, juntamente com outras barcas que navegam com ela.
Jesus, está a dormir, sinal da sua morte. Parece que deixou os discípulos sozinhos depois da sua ressurreição. Têm a sensação de que ele esteja ausente. Uma experiência de mistério que as comunidades cristãs sentem nesta vida. Parece que ele nos abandona aos nossos limites e desafios. Mas não é bem assim. “Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos”.
Por isso ele pede a prova da nossa fé: “Porque estais tão assutados? Ainda não tendes fé?”
Esse Deus a quem pedimos contas pelos seus silêncios, atrasos, as ausências injustificadas, responde pedindo-nos conta da nossa fé. O sono de Jesus está carregado de um significado preciso: faz-nos descobrir através do seu silêncio e da sua ausência aparente, a presença daquele que pode tudo (Dufour). Mas ao mesmo tempo Jesus orienta o olhar dos apóstolos e o nosso elevando para o seu poder que domina as forças adversas da natureza, que acalma o mar, a esse outro poder de que estamos desprovidos e que se chama simplesmente “fé”: o Senhor da vida que é Senhor de toda a criação.
Somente, abrindo o olhar através de tantos medos, a fé pode atracar na terra da liberdade, ir para nova missão, apoiando-se apenas na sua palavra.
Como afirma são Paulo na segunda leitura: “Quem vive em Cristo é uma nova criatura”, significa que não se pode passar à outra margem graças aos nossos esforços ou às circunstância favoráveis, mas através da certeza que Alguém, ainda que pareça longínquo, não abandona a nossa frágil barca.