Solenidade da Epifania do Senhor no termo da sede vacante
Estamos a terminar o ciclo do Tempo de Natal, a manifestação de
Deus em Jesus que, se no dia 25 de Dezembro era dirigida ao antigo
povo de Israel, sobretudo aos pastores, hoje vai aberta, na pessoa
dos Magos, a todos os povos do planeta, tal como em dia de
Pentecostes. Nos três Magos vemos associadas as questões da fé, da
ciência e da política, seja diante de Jesus, seja no contraste com
Herodes. Por isso podemos perguntar, à hora de desmontar as
decorações natalícias da casa, da cidade e de tanta azáfama, o que
fica afinal, na alma de cada um e nas relações familiares,
interpessoais e sociais.
Dentro do quadro das manifestações de Deus para nós, a Igreja reza
assim esta tarde: «Recordamos neste dia três mistérios: Hoje a
estrela guiou os Magos ao presépio; hoje, nas bodas da Caná, a água
foi mudada em vinho, hoje, no rio Jordão, Cristo quis ser batizado,
para nos salvar».
Também podemos acrescentar que hoje deixa de haver um centro na
Europa e no Ocidente, e do Oriente vem a estrela que nos orienta e
conduz, Cristo, príncipe da Paz e Luz das nações. É desta luz que a
Igreja vive, transporta e trabalha para que cada homem e cada
mulher se encontrem com ela, como quem se encontra com a
Verdade e o Amor. São dois temas muito caros ao recém-falecido
Papa Bento, para quem a Verdade não pode estar fora do Amor, nem
o Amor fora da Verdade. Esta unidade chama-se Jesus Cristo, e por
isso só a Verdade liberta e o Amor salva. Em Deus não há verdade
que não seja amorosa, nem amor que não seja verdade.
Se em Babel ninguém se entendia, na epifania do Senhor três
homens de origens e culturas diferentes passam a entender e a
entenderem-se, tal como no dia de Pentecostes, embora cada povo
exprima os dons recebidos na sua própria língua.
Se no Natal, Deus vem ao nosso encontro para assumir a condição
humana nos seus limites, fragilidades e pecados, para a gente se
habituar a Ele; na festa da Ascensão, Jesus sobe ao Céu, para junto
do Pai de onde viera, para levar n’Ele a nossa humanidade renovada
e redimida, e nos abrir assim as portas da eternidade.
Se hoje começa a missão, em dia da infância missionária, quando os
Magos depois do encontro com Jesus regressam as suas casas por
outro caminho, com maior razão no dia de Pentecostes tem início a
missão da Igreja de levar a alegria e a força libertadora do Evangelho
a todos os povos.
A centralidade do mistério de Cristo é a sua Páscoa, que acabamos
de anunciar para este ano, pois de facto «o tríduo pascal do Senhor
crucificado, morto e ressuscitado é o centro de todo ano litúrgico».
Seria muito bom que nós cristãos e católicos, a par nas nossas ações
formativas, laborais e pastorais, nos habituássemos a ver o ano
litúrgico na sua totalidade, como celebração do mistério de Cristo, de
um modo existencial, e não de festas e eventos a retalho, pois cada
domingo do ano fala-nos dessa excelência cheia de graça e verdade.
Estas afirmações tão queridas ao evangelista São João, foram
também muito caras ao papa emérito Bento XVI, por quem hoje
oferecemos o santo sacrifício da missa, no 7º. dia da sua morte.
Bento XVI sempre defendeu a fé baseada na razão e a razão
iluminada com a luz da fé, opondo-se a dois perigos de ideias e
crenças atuais, ou seja, por um lado o relativismo e por outro o
fundamentalismo. A religião sem a razão pode levar ao
fundamentalismo cego e a razão sem a fé, baseada na confiança em
Cristo como «caminho, verdade de vida», facilmente cai e aceita o
relativismo prático e moral, em que tudo vale, na perda da própria
identidade, sempre aberta ao diálogo com o outro e a sua diferença.
No testamento espiritual que o Papa Bento nos deixou esta semana,
destaco uma afirmação ainda mais oportuna em dia de Magos:
«Permanecei firmes na fé! Não vos deixeis confundir! Com
frequência parece que a ciência seja capaz de oferecer resultados
irrefutáveis em contraste com a fé católica. (Ao longo de 60 anos) vi
as transformações das ciências naturais e pude constatar como, ao
contrário, tenham desaparecido aparentes certezas contra a fé,
demonstrando-se ser não ciência, mas interpretações filosóficas
aparentemente incumbentes à ciência; assim como por outro lado é
no diálogo com as ciências naturais que também a fé aprendeu a
compreender melhor o limite do alcance das suas afirmações, e,
portanto, a sua especificidade».
Permitam-me que, neste domingo, último em que intervenho na
qualidade de Administrador diocesano, deixe três palavras, de apelo,
agradecimento e desafio.
O apelo para que a situação de sede vacante não se repita nos
próximos anos, pois desde que D. António Castro Meireles, bispo de
Angra (1924-1928) foi nomeado bispo do Porto, e o Dr. José
Bernardo de Almada eleito Vigário Capitular (1928), como à época
se chamava, que a Diocese não vivia uma situação tão amarga.
Esperemos que só daqui a um século a situação se repetida, pois a
Igreja fica prejudicada com a carência de um bispo próprio, bem
como dos seus órgãos de participação e co-responsabilidade. O
modo e o tempo como estão configuradas atualmente uma sede
vacante e a escolha de um bispo próprio contradizem o espírito do
Concílio Vaticano II e de sinodalidade dele decorrente.
A segunda palavra é de agradecimento. Foi uma honra poder servir,
desde 30 de novembro de 2021 até 14 de janeiro deste ano, a Igreja
nos Açores, como Administrador Diocesano. Agradeço as vossas
orações, sobretudo durante a Missa, bem como a colaboração dos
leigos, consagrados, diáconos e presbíteros de toda a diocese.
Agradeço aos senhores bispos de Portugal que me acolheram no seio
da Conferencia Episcopal, como irmãos e pastores.
A terceira palavra refere-se aos desafios que, juntos, temos pela
frente: a evangelização para dentro e para fora da Igreja, isto é, levar
as pessoas ao encontro e à comunhão com Jesus Cristo; atender aos
pobres da nossa Região, na luta contra a pobreza imposta pelos
sistemas; cuidar da santificação do Povo de Deus na luta contra o
pecado e todas as formas de escravidão, alienação e exploração.
Finalmente temos a graça de acolher Dom Armando Esteves
Domingues. Rezamos durante um ano para o Senhor desse à Igreja
que vive nestas ilhas um bispo que anuncie ao povo açoriano a
verdade do evangelho. Chegou felizmente a nossa hora. Desejamos
que em breve o mesmo aconteça às Igrejas de Bragança e de Setúbal.
Convido todos os diocesanos, sobretudo os que vivem na ilha
Terceira ou a ela se possam deslocar, a acolherem no próximo
domingo, o nosso novo Bispo em Angra, vila que deve a esta sede
episcopal o título de cidade, há 488 anos.
Será no próximo dia 15 pelas 16 horas, junto ao cais da Alfandega,
com cortejo a sair da igreja da Misericórdia, passando pelas Ruas
Direita e da Sé, até a esta Catedral, onde o novo pastor será
solenemente apresentado, pelas 17 horas.
Ao celebramos agora a Eucaristia rezamos ao «Senhor que nos
ilumine sempre e em toda a parte com a sua luz celeste, para que
possamos contemplar com olhar puro e receber de coração sincero o
mistério em que por sua graça participámos».
Sé, 8 de Janeiro da 2023
Hélder, Administrador Diocesano de Angra