18º Domingo do Tempo Comum

Sé, 31 de julho de 2022

O tema ou a atitude que a Palavra de Deus nos oferece hoje não é
tanto um juízo necessariamente negativo das riquezas por causa
dos perigos que representam, mas sobretudo mostra que os bens
de aqui ou de cá são estritamente vaidade, isto é, terminam com a
morte. E não passam mais além. Imaginemos uma porta num
primeiro andar, sem varanda nem escada, com um grande vão de
pedra onde termina o edifício e avistamos a rua para onde
queremos ir. É a imagem perfeita de um vão onde não há
continuidade nas apenas perigo e ruptura.
Vanitas do latim, dá origem ao termo vaidade em língua
portuguesa, também vanidade sobretudo no galego, que quer dizer
qualidade ou carácter do que é vão, coisa  inútil ou sem valor,
sem solidez nem duração, insignificância, fatuidade; ostentação.
Sentimento de grande valorização que alguém tem em
relação a si próprio, também jactância, vanglória e futilidade.
Por isso colocar a Jesus problemas sobre a herança terrena é um
assunto não Lhe interessa, mesmo que essas riquezas tenham sido
bem adquiridas e fruto do esforço pessoal ou da sorte. A questão é:
não são uma herança para sempre, esta será disruptiva, a partir da
pergunta «o que acumulaste, para quem será?» Portanto, não vale
a pena perder muito tempo, ou o mais do que o estritamente
necessário, para não prejudicar os potenciais herdeiros sobre esta
matéria, muito menos perder valores como a paternidade,
maternidade, filiação, fraternidade, amizade, justiça para sempre
por causa de qualquer porção de terras, casas ou de dinheiro. O
tribunal será o recurso possível para a justiça temporária, dentro do
âmbito da vanidade, no sentido que acabamos de apontar.
Gostaria de apresentar três aspectos ou orientações a partir desta
atitude: 1º. – o sentido do trabalho humano: «mas então que

aproveita ao homem todo o seu trabalho e ânsia que se afadigou
debaixo do sol?». 2º. O sentido da morte, como ruptura do estado
dos bens acumulados não transitáveis no mesmo sujeito; 3º. A
atitude sapiencial e libertadora que a Palavra de Deus nos trás de
novo.
Sobre o primeiro aspecto socorro-me da Constituição Gaudium et
spes sobre o valor da actividade humana onde se afirma que «uma
coisa é certa para os crentes: a actividade humana individual e
colectiva, aquele imenso esforço com que os homens, no decurso
dos séculos, tentaram melhorar as condições de vida, corresponde à
vontade de Deus» (GS 34)
«O homem vale mais por aquilo que é do que por aquilo que tem.
Tudo o que o homem faz para conseguir mais justiça, mais
fraternidade, uma organização mais humana das relações sociais,
vale mais do que os progressos técnicos. Pois tais progressos
podem proporcionar a base material para a promoção humana,
mas, por si sós, são incapazes de a realizar. A norma da actividade
humana é pois a seguinte: segundo o plano e vontade de Deus, ser
conforme com o verdadeiro bem da humanidade e tornar possível
ao homem, individualmente considerado ou em sociedade, cultivar e
realizar a sua vocação integral» (GS 35).
«É certo que é-nos lembrado que de nada serve ao homem ganhar
o mundo inteiro, se a si mesmo se vem a perder. Todos estes
valores da dignidade humana, da comunhão fraterna e da liberdade,
fruto da natureza e do nosso trabalho, depois de os termos
difundido na terra, no Espírito do Senhor e segundo o seu
mandamento, voltaremos de novo a encontrá-los, mas então
purificados de qualquer mancha, iluminados e transfigurados, (GS
39).
O segundo aspecto é sobre o sentido da morte já aqui aflorado. A
morte é vista como ruptura e como trânsito: ruptura com os modos
de actuar presentes, com as realidades terrenas e passageiras.
Trânsito até uma plenitude de glória. À luz deste sentido da morte,

a vida inteira apresenta-se como o trabalho de potenciação daquilo
que é, já desde agora, a possessão da herança autêntica: «a vida
que está em Cristo escondida em Deus».
Sobre o terceiro aspecto, a atitude sapiencial que se desprende
destes textos é que todos os bens temporais são relativos,
transitórios, não procuram a felicidade plena a que pode aspirar o
coração humano, ou pelo menos não a realizam. Não se trata de
uma questão estrita do dinheiro e de combate aos ricos, mas sobre
o significado relativo ao que consideramos enriquecimento humano:
a cultura, as viagens, as férias, o bem-estar, o reconhecimento
pessoal, etc. Todas estas realidades positivas devem ser
consideradas «reservas escatológicas», não a última palavra, isto é,
na sua condição de não definitivas, tal um museu que tem a sua
exposição permanente e as suas reservas.
Assim devemos distinguir o que são reservas na sua condição de
não permanente, daquilo que é definitivo, o escatológico. Ora no
mundo que conhecemos o que é permanente, o que permanece
para sempre, relativamente a cada sujeito considerado em si
mesmo? A resposta está na 2ª. leitura» «aspirai às coisas do alto,
onde Cristo está sentado. Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da
terra.». Para que tal aconteça é preciso «fazer morrer o que em nós
é terreno: imoralidade, impureza, paixões, maus desejos e avareza,
que é uma idolatria (…), para alcançar a verdadeira ciência, se vai
renovando à imagem do seu Criador». Não se trata pois de uma
despreocupação com os problemas sociais, mas precisamente o
contrário, a vida cristã exige «dar morte a todo o terreno que há em
nós, para não nos enganarmos uns aos outros».
É no âmbito «dos bens do alto» que celebramos e está presente em
nós no mistério eucarístico. A morte de Cristo que anunciamos é o
acontecimento que transforma toda a realidade terrena e abre a
porta do futuro. Como afirma Walter Kasper: «o futuro do
Crucificado é um futuro crucificado». Celebrar a morte do Senhor é
configurar a nossa vida à sua, para poder morrer com Ele durante a
vida presente, até ao momento do nosso trânsito histórico.

A presença do Senhor da glória urge que nos situemos na Eucaristia
com a altitude que corresponde ao juízo escatológico do evangelho.
Por isso só na conversão e reconciliação se dá a preparação
coerente com a Eucaristia.
«Procurai não tanto o alimento que perece, mas o que permanece
para a vida eterna», diz Jesus. Com o salmista rezemos: «Senhor,
tendes sido o nosso refúgio através das gerações», e com ele, uma
oração tão querida ao papa João XXIII: «Ensinai-nos a contar os
nossos dias para chegarmos à sabedoria do coração».

Hélder, Administrador Diocesano de Angra

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