Catedral.
Com a ascensão de Jesus ao Céu termina o evangelho e começa os Actos dos Apóstolos. O fim de um livro é o início de outro que ainda não terminou. Jesus deixa o nosso espaço terreno, 40 dias depois da sua Páscoa, para entrar na plenitude da glória de Deus. Este tempo não é cronológico, mas kairológico. Sabemos pelo próprio Jesus que o bom ladrão, que estava ao seu lado na crucifixão e na morte, entrou naquele dia no paraíso; com Jesus não poderá ter sido diferente. A sua glorificação dá-se na cruz e na morte quando entrega o seu espírito.
O corpo de Cristo foi glorificado desde o momento da sua ressurreição, como o provam as propriedades novas e sobrenaturais de que, a partir de então, ele goza permanentemente, mas durante os quarenta dias em que vai comer e beber familiarmente com os discípulos e instruí-los sobre o Reino, a sua glória fica ainda velada sob as aparências duma humanidade normal.
O texto do evangelho de hoje apresenta a última aparição de Jesus terminando com a entrada irreversível da sua humanidade na glória divina, simbolizada pela nuvem e pelo céu, onde a partir de então, está sentado à direita de Deus. «Por direita do Pai entendemos a glória e a honra da divindade, em cujo seio Aquele que, antes de todos os séculos existia como Filho de Deus e significa ainda a inauguração do Reino messiânico» (CIC, 663).
Apesar da despedida d’Aquele que se «afastou deles e foi elevado ao Céu», os discípulos não sentiram dor nem perplexidade, mas «prostram-se diante de Jesus, e depois voltaram para Jerusalém com grande alegria». Pese embora as dificuldades e provações, a alegria é a marca dos discípulos no tempo pascal, que vem a ser o tempo do Espírito Santo, o nosso tempo.
O papa São Leão Magno explicava aos seus ouvintes: «Durante todo esse tempo, passado entre a ressurreição e a ascensão do Senhor, a providência de Deus esforçou-se por ensinar e insinuar não apenas aos olhos mas também aos corações dos seus que a ressurreição do Senhor Jesus Cristo era tão real como o seu nascimento, paixão e morte. Os santos apóstolos e todos os discípulos ficaram muito perturbados com a tragédia da cruz e hesitavam em acreditar na ressurreição. De tal modo eles foram fortalecidos pela evidência da verdade que, quando o Senhor subiu aos céus, não experimentaram tristeza alguma, mas, pelo contrário, encheram-se de grande alegria. Na verdade, era grande e indizível o motivo da sua alegria: diante daquela santa multidão, contemplavam a natureza humana que subia a uma dignidade superior à de todas as criaturas celestes».
A partir daquele dia e da efusão do Espírito Santo que, celebraremos no próximo domingo, já é possível os discípulos de Jesus viverem em qualquer cidade, porque acima de cada cidade há o mesmo Céu, o mesmo Deus e Senhor, a mesma e a nossa humanidade já lá está. Para Ele podemos erguer os olhos e as mãos com esperança. Jesus permanece sempre o Deus connosco, desde o presépio, na encarnação, na eucaristia. Podemos olhar para o Alto e reconhecer o nosso horizonte, o nosso futuro, o nosso destino. Com a ascensão de Jesus fica a promessa e a certeza da nossa participação na plenitude da vida junto de Deus, em Deus. A este estado chamamos céu.
Depois de terem visto o seu Senhor subir ao Céu, os discípulos voltaram à cidade como testemunhas que com alegria anunciam a vida nova que vem do Crucificado – Ressuscitado, em cujo nome «havia de ser pregado o arrependimento e o perdão dos pecados a todas as nações». Este é o testemunho que hoje devemos dar e nas nossas casas, no trabalho, na escola, nos divertimentos, nos hospitais, nos lares, nas prisões, em todos os recantos da cidade: Cristo está connosco; Cristo é vivo!
Na manhã do domingo de Páscoa ouvimos a Palavra de Deus dizer-nos «Se ressuscitastes com Cristo, saboreai as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus: aspirai às coisas do alto, não às da terra». Esta é desde já a nossa vocação, o nosso desejo, que hoje vemos totalmente realizado em Cristo.
Toda a nossa oração, a liturgia, as bênçãos e a piedade popular são movimentos de subir e descer, como o incenso representa a nossa oração a subir ao Céu e a nuvem que nos envolve, as mãos erguidas ao alto, o levantar a Deus na consagração, o ajoelhar-se nesse momento, o Espírito que desce sob a forma de pomba, a imposição das mãos sob o pão e vinho na Eucaristia, quando o corpo desce à terra, quando somos abençoados e quando pedimos a bênção. A nossa relação com Deus só é possível porque Ele desceu no mistério da encarnação, da cruz, da eucaristia e do dom do Espírito Santo, mas também é possível, porque Ele subiu para onde a gente aspira, deseja e sonha com as coisas do alto, com o que é grande, com o céu, nosso limite, nossa meta e nosso destino.
A humanidade de Jesus atestada pelos evangelhos é o magistério que indica aos cristãos o caminho a percorreram para testemunhar aquele que subindo ao céu, já não está fisicamente presente entre os seus e virá na sua glória. Sobe Jesus e com Ele sobe o espírito de serviço, de solidariedade, de amor ao próximo, de alternativas de fraternidade. Sobe Jesus e por isso desaparece o egoísmo, a prepotência, a indiferença, a exploração, a desigualdade, a injustiça. O Céu não é um espaço extra terrestre, mas um lugar onde Deus habita, que já está aberto e que começa aqui e agora.
Com o nosso poeta português, Frei Agostinho da Cruz, podemos rezar hoje com mais sentido e desejo de acompanhar Jesus naquilo que ainda nos falta.
Lá Vos tornais, Senhor, onde subistes/ Para lá nos subir donde descestes / Nascestes para nós, por nós morrestes / Morto por nos dar vida ressurgistes.
A nossa humanidade que vestistes / Vestida para o Céu levar quisestes / E tudo quanto nela merecestes / Connosco livremente repartistes.
O nascer, o morrer, o ressurgir / O subirdes ao Céu por nos mostrar / O caminho por onde havemos de ir.
Tudo tem muito em si que contemplar /Mais, muito mais em mim ver – Vos partir/ Sem Vos poder, meu Deus, acompanhar.
Compreendemos agora a esperança a que somos chamados? Isso não nos leva a trabalhar a sério no reino de Deus? Temos presente a glória que Deus tem reservada para os justos? E não nos importam as injustiças, e não lutamos por uma maior justiça no mundo? Aspiramos, suspiramos de verdade pelo Céu? Então porque nos falta a alegria, o bom humor, a amabilidade, a afabilidade, a disponibilidade, o sorriso? Não será uma experiência feliz e uma vida boa que nos aguarda e espreita? Experimentemos!
Pe. Hélder, Administrador Diocesano de Angra