VIII Domingo do Tempo Comum

Sé, 27 de Fevereiro de 2022


Missa pela paz na Ucrânia com a participação dos ucranianos residentes
Reparemos que quando acusamos, julgamos ou condenamos alguém
apontamos o dedo indicador para o outro, o polegar para o lado e os
restantes três dedos ficam fechados para dentro como a apontar para nós
próprios, ou seja um dedo aponta para o argueiro no olho do meu irmão e
os outros três apontam para a trave que tenho no meu.
Isto é, muitos dos juízos dirigidos para fora, para os outros dependem do
que eu tenho dentro de mim, da estrutura da minha própria
personalidade e da história da minha vida; julgo os outros a partir de mim.
Muitas vezes um juízo que dirige sobre outra pessoa diz mais de mim do
que dela. Valha-nos o dedo polegar dirigido não para o outro nem para
mim, mas para cima de nós, o que abre e amplia o olhar para uma
realidade superior, para outra luz, outra visão.
Não necessitamos de estar a julgar e condenar para fora como se fosse
essa a nossa tarefa, nem de nos flagelarmos a nós próprios. Deus é que
nos justifica pela morte e ressurreição do seu Filho Jesus. O evangelho
apela-nos à necessidade de autocrítica antes de fazer qualquer juízo ou
condenação sobre o outro, pois a nossa tendência é de intransigência para
com os outros, e benevolência ou tolerância para connosco próprios.
As palavras do evangelho de hoje sobre o cego que pretende guiar outro
cego (Lc 6,39) dizem respeito a quem, naquele tempo, como os fariseus
detinha o poder, ou hoje, para quem tem autoridade, para cada crente,
seja pai, mãe, educador, ou com responsabilidade pública ou governativa,
em qualquer sector da sociedade ou da Igreja.
Em que consiste esta cegueira, que tem inspirado os nossos escritores
portugueses a publicarem ensaios sobre ela. A cegueira consiste em não
saber ou não querer olhar-se a si próprio, a ver-se ao espelho, a ver os
próprios defeitos, mas, ao mesmo tempo, pretende tratar os defeitos dos
outros (Lc. 6, 41-42).
A conclusão de Jesus é que a única crítica credível nasce de uma
autocrítica. Escondemos os nossos defeitos, inclusivamente de nós

mesmos, e fica caminho aberto para ver os defeitos dos outros. Antes de
condenar os defeitos dos outros, devemos olhar para dentro de nós e a
humildade em nós próprios far-nos-á entender melhor a humanidade do
outro. Então, poderemos agir de modo credível, com humildade,
testemunhando a verdade na caridade.
Como saber e entender se o meu olho está livre ou se está impedido por
uma trave. Certamente já passamos pela incómoda experiência de ter tem
uma vista coberta com um penso ou numa consulta de optometria
quando nos perguntam e agora vê melhor, consegue ler as letras de
baixo? Até que nos tiram um dístico, que nos parecia uma trave. O critério
é indicado por Jesus. «Não há árvore boa que dê mau fruto, nem árvore
má que de bom fruto. Cada árvore conhece-se pelo seu fruto». Os frutos
são as acções, mas também as palavras. Por estas conhece-se a qualidade
da árvore, pois a «boca fala da abundância do coração».
De facto, quem é bom extrai do seu coração e da sua boca o bem, quem é
mau extrai o mal, praticando o exercício mais deletério entre nós que é a
murmuração, a inveja, destruição do outro, etc. Isto destrói uma família,
uma sala da escola, um local de trabalho, um bairro ou uma freguesia e aí
por diante. Assim nascem as guerras, nascem sempre de dentro para fora.
Não há estruturas, nem sistemas culpáveis, mas pessoas responsáveis em
primeiro lugar, isto é, em primeira pessoa. O mal não vem de fora para
dentro mas de dentro para fora.
Assim, nunca posso querer que os outros se convertam, se eu próprio não
me deixo converter, ou seja para poder ajudar concretamente o outro, é
preciso conhecer a verdade de mim próprio. A liberdade que nasce de
«conhecer a verdade» de mim próprio é condição da autenticidade da
nossa intervenção em ajuda do outro. Se assim não for, ver o defeito do
outro e ajudá-lo a livrar-se dele, torna-se o que permite não o reconhecer
em nós. E assim permanecemos cegos e não livres, pois a verdade é que
nos libertará da cegueira.

Antes de Jesus avançar com um conselho, chama hipócrita, à pessoa que
quer retirar o argueiro do outro sem mexer na trave que tem na própria
vista. Ora, este, nem parece, é o domingo do carnaval, um dos mais
populares dias da ilha Terceira, e hoje podemos entender de modo
positivo, o que é o hipócrita e a hipocrisia: é o acto de fingir, de
representar um papel que não é o seu, de fingir ter crenças, virtudes,
ideias, sentimentos, que a pessoa na verdade não possui, frequentemente
exigindo que os outros se comportem dentro de certos parâmetros de
conduta moral que a própria pessoa extrapola ou deixa de adoptar. O
teatro, o mascarado, o carnaval, eram até há dois anos, sob a forma de
danças e bailinhos, o modo de tomar consciência das nossas próprias
hipocrisias, e como um bom actor e um bom mascarado pode revelar a
verdade que há em nós e como ela nos pode confrontar e libertar, pois rir
de nós próprios, pode ser um caminho de autocrítica, antes de condenar
os outros ou os por a chorar.
A palavra boa é a palavra humilde, que tem a coragem da verdade e não
oculta a realidade, que requer que se deixe a cegueira, isto é que tome
consciência da trave que está no próprio olho. Assim, um guia não pode
ser cego, deve ver bem, possuir a sabedoria para guiar com sabedoria e
não causar danos às pessoas que acompanha como guia.
Imaginemos um guia turístico que tem a responsabilidade de conduzir as
pessoas numa terra que elas não conhecem. Não pode ser como os
meninos que levam a mochila, que cada um só vê a mochila do outro e
nunca vê a sua nas suas próprias costas.
Assim Jesus chama atenção de quantos têm responsabilidades educativas,
isto é, de quem leva os outros pela mão, exorta-nos a estar cientes do
papel delicado que temos e discernir o caminho certo pelo qual conduzir
as pessoas. «O discípulo não é superior ao mestre» É um convite a seguir o
seu exemplo e ensinamento para sermos guias seguros e sábios, na
atitude de mansidão e misericórdia, pessoas sinceras, humildades e justas,
prontas a sentarem na mesma mesa onde vamos celebrar a Ceia do
Senhor Jesus. Assim seja.


Hélder, Administrador Diocesano de Angra

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