Em memória Dom Manuel Damasceno da Costa
A 27 de Janeiro do corrente ano completou-se um século da morte daquele que foi o 33º. Bispo de Angra, entre 1915 e 1922.
D. Manuel Damasceno da Costa nasceu na Covilhã em 1867, estudou no Seminário da Guarda e ingressou no curso teológico da Universidade de Coimbra. Foi ordenado padre em 1890 na Sé da Guarda . No ano seguinte passou a leccionar Filosofia e História Eclesiástica naquela cidade. Transitando para a diocese de Viseu, foi nomeado secretário do bispo e pouco depois cónego daquela Sé.
Quando se preparava para emigrar para o Brasil, após a implantação da República, dada a extinção do seminário e a expulsão das religiosas, foi nomeado para a diocese de Angra (2.10.1914) por Bento XV, em substituição de D. José Correia Monteiro (1905-10). Por procuração que fez ao deão, Dr. José dos Reis Ficher, a quem nomeou governador do bispado, e depois seu vigário geral, tomou posse da Diocese de Angra a 15 de Março de 1915, sendo sagrado bispo a 11 de Abril daquele ano. A ordenação decorreu na Sé de Viseu, sendo sagrante o bispo daquela diocese e um dos consagrantes o antigo bispo de Angra, D. Francisco José Ribeiro Vieira e Brito (1892-1901).
Em resultado do clima de tensão existente entre a recém – implantada República portuguesa e a Santa Sé, que dificultava as nomeações episcopais, Angra estava sem bispo desde 1910. Nos cinco anos transcorridos tinha-se gerado entre os católicos locais um sentimento de orfandade pelo que o anúncio da chegada de um novo bispo foi saudada com júbilo, tendo-se formado uma comissão para organizar os festejos que haviam de marcar a entrada do novo bispo na diocese. Na história da centenária Sociedade Filarmónica Recreio dos Artistas há uma página a narrar o concerto evocativo dessa memória.
No dia marcado desembarcou o bispo, sem vestes corais, coisa que Angra nunca antes tinha visto em qualquer dos seus prelados. Assim vestido, dirigiu-se à igreja da Misericórdia, junto ao cais, onde se paramentou sendo conduzido, debaixo do pálio, em interminável cortejo para a catedral, que o recebeu com solenidade, repiques, música, girândolas e, sobretudo, por uma população apinhada que o saudava espontaneamente.
De temperamento sociável, logo criou amizades em Angra. Uma das suas primeiras preocupações foi realizar a visita pastoral, pelo que nesse verão percorreu as ilhas Graciosa, Faial, Pico e São Jorge, consecutivamente e sem deixar atrás qualquer freguesia. Visitou depois a Terceira, a fim de conhecer a vida religiosa de cada paróquia.
Em resultado da legislação anticlerical que se seguiu à implantação da República, o Seminário Episcopal de Angra fora obrigado a sair das instalações do antigo Convento de São Francisco de Angra, que até então partilhara com o Liceu da cidade. Tal causava graves dificuldades à formação do clero, que enquanto seminaristas estavam distribuídos por várias casas da cidade de Angra, pelo que D. Manuel Damasceno desenvolveu diversas iniciativas com vista à construção de um novo Seminário próprio. Adquiriu para tal o antigo solar dos condes da Praia (em Santa Luzia de Angra, onde esteve instalado o observatório meteorológico) e preparou o projecto de adaptação. Como não teve localmente apoio dos docentes, o solar foi demolido e a pedra veio para o prédio então adquirido na Rua do Palácio onde ainda hoje está instado. Para tal causa determinou uma contribuição a favor do Seminário, então o único na Diocese, a ser paga pelo clero açoriano ausente, principalmente nos Estados Unidos da América e Brasil.
Regulamentou as Conferencias Eclesiásticas e fundou a Congregação da Doutrina Cristã em toda a Diocese, na linha da reforma catequética de São Pio X, que chega praticamente até ao Concílio Vaticano II com a designação de Confraria da Doutrina Cristã (cf. CD 30). No campo pastoral, empenhou-se pelos doentes e enfermos, recomendando ao clero a sua assistência espiritual e regulou a pregação e exames de confessor.
Em 1915 elevou o curato de Santo António do Norte Grande, nas Velas da ilha de São Jorge, à categoria de paróquia, fazendo o mesmo em 1916, a Santa Cruz na freguesia das Ribeiras, na ilha do Pico. Promulga na ilha Terceira um «Regulamento da Conferência da Circunscripção da Praia da Vitória» e restaura a ouvidoria do Topo na ilha de S. Jorge.
Em 1916 Portugal entrava na Grande Guerra. Foi, então, que a autoridade superior do distrito de Angra, Joaquim Teixeira da Silva, recorreu à intervenção do prelado angrense que redigiu uma circular, a recomendar ao clero paroquial que serenasse os ânimos da população açoriana e promulgou uma instrução pastoral acerca do dever eleitoral dos católicos votarem, «não cometendo o erro da abstenção comodista e, ainda menos, o de votarem em inimigos declarados das justas pretensões da ordem e da liberdade religiosas».
A ilha de São Miguel então com as suas seculares quatro ouvidorias (Vila Franca do Campo, Ponta Delgada, Ribeira Grande e Nordeste) deve-lhe a criação de outras três: no ano de 1917: Povoação, Capelas e Fenais de Vera Cruz. A então vila da Lagoa só viria a ser criada ouvidoria nos anos 80 do século passado. Em boa memória e por gratidão, a vila das Capelas recentemente atribuiu o nome de uma rua a D. Manuel Damasceno da Costa, num bairro novo na moderna expansão daquela freguesia do concelho de Ponta Delgada. Aliás, a freguesia da Fajã de Baixo, no mesmo concelho, já havia atribuído o nome a uma rua de «Vigário geral», designações que a liberal Angra do Heroísmo não aceitou em 487 anos.
Em 1918, D. Manuel faz a visita pastoral às ilhas de Santa Maria e São Miguel. De regresso à sede diocesana, deu à estampa uma instrução pastoral sobre a mesma visita, sublinhando que se sentia em falta em relação às ilhas do Corvo e das Flores, ilhas que infelizmente a morte súbita não lhe permitiu realizar o sonho.
Em 1920, fundou, em S. Miguel, o semanário A Actualidade e auxiliou a manutenção das publicações que já existiam: em Angra, A Verdade e o boletim paroquial A Cruz; em S. Miguel, A Crença, favorecendo o surgimento de O Dever, os Sinos da Aldeia e O Semeador.
D. Manuel Damasceno sagrou em 1921 na Matriz da Horta, D. José da Costa Nunes como bispo de Macau, aquele que seria o primeiro cardeal açoriano, Patriarca das Índias Orientais.
D. Manuel faleceu de morte súbita, atribuída a uma síncope cardíaca, em Angra do Heroísmo, a 27 de Janeiro de 1922, jazendo no Cemitério de Nossa Senhora do Livramento. Foi o último bispo de Angra a ser sepultado nos Açores no século XX.
Passados 100 anos, a Câmara Municipal da Covilhã acaba de fazer uma exposição comemorativa do prelado angrense; a sua família, hoje como sobrinhos netos, visita a cidade episcopal açoriana e o mausoléu que Angra edificou no cemitério Livramento; celebra-se, neste dia, a missa de sufrágio e de acção de graças na catedral angrense, enquanto se prevê uma exposição, uma conferência e uma sessão evocativa desta grande figura, logo que haja condições de a promover e realizar.
Ao participar recentemente, em Ponta Delgada, nas comemorações do 46º. Aniversário da Universidade dos Açores, na Aula Magna, engalanada a rigor com multicores trajes académicos, em meio onde abunda a investigação, o conhecimento e a necessidade de o aprofundar em mares ainda não navegados, sonhava com a possibilidade de, na próxima década, a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, propor aos futuros licenciados, mestres e doutores que estudem profundamente a origem, personalidade, figura, acção e contexto social, histórico, cultural, político, económico e religioso da época de cada um dos bispos de Angra (1534-2021) nas ilhas dos Açores. Seria um grande contributo da academia açoriana em ordem às comemorações dos 500 anos da Diocese de Angra em 2034, dando lugar uma nova chave e porta no estudo da História dos Açores.
Hélder Fonseca Mendes,
Administrador da Diocese de Angra